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O novo mal-estar na civilização (ou Marçal é o meio, não a mensagem)

Relegamos aos outros a tarefa da mudança; queremos sanear o chiqueiro sem sujar as mãos

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José Luiz Portella

Engenheiro civil, é doutor em história econômica pela USP, onde faz pós-doutorado em sociologia. Atua como pesquisador do IEA-USP (Instituto de Estudos Avançados) e é professor de pós-graduação

O episódio da agressão no debate aflorou a mensagem. O estado da arte dos nossos corações e mentes.

Marçal é meio, não a mensagem. Serve de "streaming".

O candidato Pablo Marçal (PRTB) deixa o IML após ser agredido em debate - Folhapress

Em "O Mal-estar na Civilização", Sigmund Freud relatou o choque entre as pulsões em busca da satisfação humana, o prazer, e as limitações impostas pela cultura.

A guerra entre o instinto de vida e o de morte: Eros e Tânatos. Descomplicando, a vontade humana de prazer, sua limitação, que causa frustração; o espírito de destruir o semelhante, a violência e a prepotência do ser humano. No fundo, a tribulação da sociedade.

A mensagem trazida pela ascensão de Marçal é que estamos doentes política e socialmente. Os culpados não são apenas seus seguidores.

Marçal é a parte de baixo do iceberg que veio à tona.

Por um lado, ele representa Tânatos, a ideia de destruição de tudo, por conta da raiva e frustração da sociedade com a política presente e a respectiva incapacidade de solucionar as vicissitudes. Reverbera a impotência sentida pela sociedade por um sistema em vigor, que, paradoxalmente, ela alimenta. Seja pela omissão, seja pela acomodação. Omissão é forma de participação.

Nossa sociedade acolhe o sistema vigente, com a desculpa que responsáveis são os outros.

Marçal transborda o refluxo do sistema, concomitantemente ao reconhecimento de que somos, quase todos, culpados pelo que está aí. Precisamos regurgitar, colocar o dedo na garganta. Expectorar.

Não tem inocente.

Desejamos um mundo novo, sem as máculas dessa política que nos enoja, e, paradoxalmente, continuamos a acalentá-la engessados pelo conformismo ou pela fuga rumo à mansidão do conforto de não sair de casa.

Relegamos aos outros a tarefa da mudança. Queremos sanear o chiqueiro sem sujar as mãos.

O nosso arcabouço político permite representantes que votam flagrantemente contra os representados, impunemente. Como na insistência com as emendas Pix e na aprovação da anistia aos partidos políticos pelas ilicitudes, com apoio geral dos maiores partidos, falsos arautos da moralidade, da ética, da defesa dos fracos e oprimidos. Oprimindo-os mais. Pela direita, pela esquerda.

Sem exceção.

Não se vê nenhum prócer da Faria Lima ou da Fiesp, desses que se agitam nervosamente contra o aumento da taxa Selic ou favor dele, emitir um pio contra a falácia do sistema partidário existente. Nem a classe média indignada. Rumina-se bovinamente a ração maldita.

A procissão a Brasília do setor produtivo busca mais os privilégios do que a mudança do sistema. A consolidar a desigualdade solene que rege o Brasil.

Marçal é meio para o vômito da sociedade, que tem um átimo de alívio, após a má digestão, mas logo saboreia o paladar acre do refluxo produzido pela sociedade brasileira, triste e leda, que tem ojeriza do que enxerga no espelho.

Marçal é isso.

Muito mais importante do que decifrar a figura, atacá-la, defendê-la, é compreender o que nos levou a tê-la. Ela é corolário.

O candidato é sintoma. A patologia é a nossa atitude.

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