Descrição de chapéu PEC da Anistia

Congresso aprova PEC da Anistia, tira verba reservada para negros e perdoa partidos

Medida aprovada a toque de caixa e com pouquíssimo debate uniu ampla maioria das legendas, desde PT de Lula a PL de Bolsonaro

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Brasília

O plenário do Senado aprovou nesta quinta-feira (15) a chamada PEC da Anistia, que reduz a cota para candidatos negros nas eleições e promove anistia a irregularidades cometidas pelos partidos políticos.

O texto foi aprovado em primeiro turno por 51 votos a 15 —3 votos a mais que os 49 exigidos para emendas à Constituição.

Cartam onde se diz: "PEC 9 Não"
Protesto durante sessão de instalação de comissão para análise da PEC da Anistia, na Câmara dos Deputados - Zeca Ribeiro - 2.ago.23/Divulgação Câmara dos Deputados

No segundo turno, o placar foi um pouco maior: 54 votos a favor e 16 contra. Por se tratar de uma emenda, a PEC será promulgada diretamente, sem possibilidade de veto ou sanção presidencial.

A proposta uniu a maioria dos partidos políticos —desde aliados do presidente Lula (PT) a correligionários do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), passando por siglas do centrão, como PP e União Brasil. Apenas o Novo orientou voto contra no Senado. Na Câmara, a oposição à medida se restringiu ao Novo e ao PSOL.

Apesar do amplo apoio partidário, a medida teve pouquíssima discussão tanto na Câmara como no Senado.

Entre os deputados, ela sequer chegou a ser votada na comissão especial, o que deveria ocorrer em se tratando de PEC. Entre os senadores, o texto foi aprovado à jato, em uma semana, apesar de o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ter afirmando anteriormente que o assunto não seria discutido de forma açodada.

A PEC da Anistia foi apresentada em março de 2023 com a assinatura de 184 deputados, incluindo os líderes do governo, José Guimarães (PT-CE), e da oposição, Carlos Jordy (PL-RJ).

Além de revogar a determinação de que negros devem receber verba eleitoral de forma proporcional ao número de candidatos e conceder perdão a irregularidades, a PEC abre ainda um generoso programa de refinanciamento de débitos aos partidos políticos.

Um dos objetivos da emenda é derrubar decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), válida desde 2020, que obriga os partidos a distribuir a bilionária verba de campanha de forma proporcional ao número de candidatos brancos e negros (pretos e pardos).

Na disputa de 2022, por exemplo, pretos e pardos deveriam ter recebido 50% da verba eleitoral de R$ 5 bilhões, mas a determinação foi descumprida generalizadamente pelos partidos.

Com a PEC, as legendas devem aplicar 30% dos recursos nas candidaturas de negros —ou seja,ela reduz o percentual de cerca de 50% para 30%.

Para as demais eleições, o projeto diz que os partidos que descumpriram a cota racial em 2020 e 2022 podem compensar essa distorção nas quatro disputas seguintes, de 2026 em diante, escapando assim de punição.


O senador Paulo Paim (PT-RS), que é negro, protestou contra a decisão do Senado de acelerar a votação —descumprindo um compromisso que havia sido feito por Pacheco.

"A votação da PEC 9, na visão do movimento negro brasileiro, significa um retrocesso em relação a todas as conquistas normativas que aprovamos aqui no Congresso", afirmou o senador.

Apesar da promessa de Pacheco, senadores aprovaram um calendário especial para a votação e pularam ao menos três sessões de discussão no plenário.

A PEC foi aprovada nesta quarta (14) pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e, pelo regimento interno, deveria aguardar ao menos cinco dias úteis antes da votação em primeiro turno. Outras três sessões são exigidas até a votação em segundo turno.

Em outra frente, o relator do texto, o relator, senador Marcelo Castro (MDB-PI) —que é presidente do MDB no Piauí e membro da executiva nacional do partido—, manteve o que havia sido aprovado pela Câmara para acelerar a promulgação.

Castro afirmou que a decisão do Supremo que obrigou a distribuição proporcional de recursos entre brancos e negros "criou um problema para os partidos" porque eles já tinham "equacionado como iriam dividir esses recursos".

"Essa PEC poderia se chamar de PEC da cota racial. Nós estamos criando um Refis para dar segurança financeira aos partidos. Poder-se-ia chamar também de PEC do Refis, mas nós estamos chamando de PEC da Anistia. E aí nós induzimos a opinião pública a ficar contra a PEC", disse.

O texto coloca na Constituição que a imunidade tributária aos partidos estende-se a todas as sanções de natureza tributária, exceto as previdenciárias, abrangendo os processos de prestação de contas eleitorais e anuais.

A PEC da Anistia abre um Programa de Recuperação Fiscal (Refis) específico para partidos políticos, seus institutos ou fundações, para a regularização de dívidas em até 15 anos (180 meses) com isenção de juros e multas acumulados.

Inicialmente, a proposta também perdoava as legendas por descumprirem a cota de gênero. Diante da reação negativa, o texto final manteve a determinação de que o dinheiro deve ser distribuído de forma proporcional ao número de candidatas, que não deve ser inferior a 30%.

Entidades da sociedade civil que acompanham as questões partidárias e eleitorais sempre condenaram a proposta e pediam mais debate sobre o tema.

De acordo com nota conjunta divulgada pela Transparência Internacional - Brasil, Pacto pela Democracia e Movimento Transparência Partidária após a aprovação na Câmara, a medida representa "um grave retrocesso para a sociedade civil, para o sistema partidário, para o Congresso Nacional e, consequentemente, para a democracia brasileira".

De acordo com essas associações, o trecho da PEC que determina que a imunidade tributária dos partidos "estende-se a todas as sanções de natureza tributária, exceto as previdenciárias, abrangidos a devolução e o recolhimento de valores, inclusive os determinados nos processos de prestação de contas eleitorais e anuais" traz a preocupação de uma anistia ampla e irrestrita.

Como mostrou a Folha no ano passado, na ocasião o TSE havia concluído o julgamento das contas dos partidos relativas a 2017 e havia determinado a devolução aos cofres públicos de ao menos R$ 40 milhões, a título de ressarcimento e multa, valor que ainda precisava ser corrigido pela inflação.

Entre as irregularidades apontadas, havia até a compra imotivada pelo extinto Pros (hoje Solidariedade), com dinheiro público, de quatro toneladas de carne em um ano.

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