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Guerra comercial pressiona China a inovar com mais força, diz autor

Mark Greeven, professor de inovação na IMD, escola suíça de negócios, diz que apesar de parecer aberta, China ainda não mudou

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São Paulo

Pesquisador em inovação na China e residente no país há mais de 15 anos, o holandês Mark Greeven, professor na escola suíça de negócios IMD, uma das maiores do mundo, vê na guerra comercial uma oportunidade de impulso à inovação chinesa. Para ele, a economia do país sofrerá no curto prazo. No longo, pode desenvolver tecnologias melhores para depender cada vez menos do mercado ocidental.

Em São Paulo para palestra sobre o varejo chinês nesta terça-feira (27), Greeven, que é doutor em gestão e pesquisador associado a diversas instituições chinesas, falou à Folha sobre reflexões de seu novo livro —"Pioneers, Hidden Champions, Changemakers, and Underdogs" (MIT Press, 216 pags., R$ 123)—,  e desafios no cenário de disputa com os Estados Unidos.

Mark Greeven, especialista em varejo da China; ele lançou Pioneers, Hidden Champions, Changemakers, and Underdogs, pelo MIT Press - Karime Xavier/Folhapress

Em novo livro, você explora a gestão e organização de companhias chinesas. O que mais lhe chamou a atenção ao entrevistar executivos de lá? Tão importante quanto a revolução causada por algumas companhias, como o Alibaba, a China tem repensado o molde das organizações, a burocracia, a estrutura de pirâmide, a forma que experimenta e se beneficia do ambiente. É um lugar com muita incerteza, ambiguidade e mudança, especialmente nos últimos 30 anos. Muitas empresas passaram a entender que a inovação exige mais flexibilidade.

Eles buscam modelos inspirados no Vale do Silício, com descontração e mesas de ping pong?
Não. O que é fascinante é que o país muda demais, está crescendo e mudando do lado do consumo e na competição diária. É tanta mudança que, para muitos negócios, é difícil prever o futuro e se preparar para o próximo ano. Então, além de se questionarem sobre o lançamento de produtos, serviços e modelos de negócios, precisam se reorganizar internamente para responder de forma rápida ao ambiente, aos novos clientes, competidores, regulações e reformas do governo.

É uma forma organizacional diferente de Google, Amazon e Facebook. Mesmo companhias antigas têm se organizado de modo a criar dezenas de pequenas empresas dentro da mesma marca. Se livram de um modelo vertical para algo flexível. Querem ser rápidos o bastante para responder, e você não vê isso na mesma intensidade na Europa e na América.

Quais empresas têm esse tipo de organização? As de internet, obviamente, como Alibaba, Baidu, Tencent [dona do WeChat], mas também Xiaomi, que inclusive tem avançado no mercado brasileiro, e também "companhias velhas" como Huawei, onde o CEO muda a cada seis meses. Todo o time de gerência vira presidente por um semestre. Esse modelo hoje está até nas mais chatas, tipo de material de construção. Da maneira tradicional, com muitas camadas de gerência e liderança, o processo se torna lento e descolado da realidade atual da China.

 

No fim, elas conseguem inovar tanto quanto as americanas? A maneira de criar negócios é muito diferente. Na China, há uma centena de companhias que tentam fazer a mesma coisa e competem loucamente pela mesma oportunidade. Acho que só existe um Google e uma Apple no mundo, mas é preciso lembrar que os cenários são diferentes.

Em termos de disrupção, há muita novidade em saúde e na indústria financeira vindo da China. A maior lição é a mentalidade do “posso fazer”. A China tem adaptado as coisas muito rapidamente, aceitando todos os riscos e incertezas. Os empreendedores são pragmáticos, não dão bola para ideias de “realmente me apaixonei por meu produto”. Eles são mais: “se X não vende, eu vendo Y. Se Y não vende, tento Z”. São guiados pela necessidade do mercado, não por ideais ou tecnologias perfeitas. 

A guerra comercial vai impactar a inovação da China? Definitivamente. Mas a guerra comercial não se trata de comércio, é sobre um longo conflito com um país que sempre foi número um. Essa disputa levará mais 15 anos e hoje aparece na forma de guerra comercial. A razão por trás é muito mais tecnológica, é uma tentativa de isolar parte do mundo.

Claro que empresas como Huawei terão dificuldade em vender produtos aos Estados Unidos e a países que o seguirem, então é negativo. Mas o lado positivo é que as companhias pensam “bom, se não posso fazer isso, então vou inovar forte. Farei produtos melhores para entrar no mercado de forma inteligente”. As empresas estão pressionadas a inovar com mais força para se tornarem menos dependentes da tecnologia americana.

Como suprir vagas tecnológicas com o envelhecimento no país? A China, incrivelmente, enfrentará déficit populacional nesse sentido. Por isso, a mudança na política do filho único. Não haverá pessoas para trabalhar quando essa geração se aposentar. A força de trabalho é um dos maiores desafios que o país enfrentará. O trabalho será cada vez mais caro. Além disso, a China nunca foi um país de imigração, sempre fechado em si mesmo. Oficialmente, está se abrindo, mas extraoficialmente, nada está mudando. 

A privacidade virou uma questão de mercado, não apenas de proteção de direito individual. A preocupação com hipervigilância não chega aos consumidores chineses? Eles estão mais conscientes, mas em comparação à média europeia, podemos dizer que não se preocupam. Nos anos 1970, o vizinho poderia entrar em casa, levar as pinturas da parede e pegar os livros sobre capitalismo. Essas pessoas ainda estão vivas hoje, e não consideram violação de privacidade zeros e uns no telefone.

Em contrapartida, chineses têm serviços melhores e podem caminhar em Xangai a qualquer horário, por exemplo. Entendem como benefício. Mas já vejo estudantes que não querem usar WeChat porque estão preocupados.

É possível viver sem WeChat? É como ficar sem WhatsApp no Brasil... Difícil, quase impossível. Digo que uma janela está se fechando. Se hoje as companhias farão de tudo para pegar mais e mais dados, como Tencent e Alibaba, em cinco anos, não poderão mais fazer isso. 

Há muito entusiasmo com a China no setor de inovação. Quais os problemas serão centrais para a abertura dessas empresas a outros mercados? São muitos. Do ponto de vista regulatório, a China é ilhada e isso impacta a inovação, que demanda que informações fluam de maneira mais livre. A vigilância e o controle de dados do governo está limitando demais o que as pessoas veem. Outro problema é a falta de diversidade nas companhias. Uma empresa chinesa tem gerentes e diretores chineses que produzem na China para o mercado chinês. É um desafio atrair pessoas que queiram fazer carreira e passar mais de três anos lá.

Xangai é uma bolha que pode explodir com o alto custo de vida, é insustentável, portanto natural que as pessoas queiram morar em Londres pelo mesmo preço. Também sou entusiasta, mas tenho muitas críticas. A China tem uma lista de longos problemas.

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