Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga
Descrição de chapéu
greve

O dia em que operários atearam fogo numa delegacia em São Paulo

O episódio, ocorrido em outubro de 1930, foi chamado de Bastilha do Cambuci

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São Paulo

Desde a primeira greve geral em São Paulo, em 1917, quando operários pararam o Cotonifício Crespi, na Mooca, o movimento trabalhista esquentou na cidade. A paralisação foi impulsionada depois da morte de um trabalhador espanhol chamado José Martinez pela polícia e aconteceram vários conflitos e tiroteios por vários dias.

As reivindicações envolviam direitos elementares, como aumento de salários, férias, proibição do trabalho infantil, fim do trabalho noturno para mulheres, aposentadoria e assistência médica. Além da indústria têxtil, operários do setor alimentício, das ferrovias e das gráficas também cruzaram os braços.

Havia um sentimento de insatisfação crescente na sociedade. A década de 1920 foi especialmente tensa. É atribuída a Washington Luís, que governou de 1926 a 1930, quando foi deposto, a frase "a questão social é um caso de polícia".

Em São Paulo, quem se desviasse da ideologia dominante era preso na 6a Delegacia do Cambuci, principal aparelho de repressão política, que seria totalmente destruída em outubro de 1930, numa espécie de vingança dos trabalhadores.

Bastilha do Cambuci
Bastilha do Cambuci: delegacia foi arrombada, incendiada e seus presos foram libertados - Memorial da Resistência

Washington Luís aprovou a chamada "Lei Celerada", que combatia delitos ideológicos e tornava crime inafiançável desviar operários dos estabelecimentos em que fossem empregados, por meio de ameaças e constrangimentos.

Também era penalizado quem causasse ou provocasse interrupção ou suspensão do trabalho por meio de ameaças ou violências, para impor aos operários ou patrões aumento de salário ou diminuição de serviço.

Manifestantes eram encarcerados e frequentemente torturados. Anarquistas, comunistas, socialistas e sindicalistas em geral que protestavam contra as péssimas condições de trabalho iam parar na cadeia e eram tratados como criminosos.

A ação policial contra agitadores era avalizada pelo governo, que pretendia esconder debaixo do tapete os problemas sociais

Rua Barão de Jaguara, no Cambuci, endereço da delegacia onde operários eram presos e torturados - André Vicente/Folha Imagem

Nesse contexto repressivo, a 6a Delegacia do Cambuci, usada sistematicamente para a prisão de operários que faziam greve nos anos 1920, era uma referência. Ficava na rua Barão de Jaguara, próxima do largo do Cambuci.

Com celas frias e diminutas era um lugar aterrorizante destinado apenas a trabalhadores insubordinados que não aceitavam as regras despóticas do regime.

O ativista carioca e negro Domingos Passos, chamado de Bakunin brasileiro, por exemplo, foi preso ali em agosto de 1927 por participar de uma manifestação no Brás em favor do sapateiro Nicola Sacco e do vendedor de peixes Bartolomeo Vanzetti, ambos anarquistas.

Eles foram responsabilizados por um duplo homicídio nos Estados Unidos, condenados à morte e executados na cadeira elétrica. Passos foi levado à delegacia da Rua Barão de Jaguara, onde passou quarenta dias.

O ex- presidente Washington Luí­s Pereira de Sousa: questão social é caso de polícia - Palácio do Planalto

Depois de solto se dirigiu a Pelotas, em janeiro de 1928, para participar do Quarto Congresso Operário do Rio Grande do Sul. Ao retornar para São Paulo em fevereiro foi preso novamente junto com o sapateiro Affonso Festa por ordem do delegado Ibrahim de Almeida Nobre, que havia assumido a Delegacia da Ordem Política e Social (Dops), criada em 1924.

Por mais de três meses, Passos ficou incomunicável na delegacia do Cambuci em um quarto escuro, frio e sem janelas e se alimentando uma vez por dia.

Nas primeiras décadas do século 20, o bairro do Cambuci era habitado por imigrantes e operários e começou a ferver no ritmo da repressão do Estado. Havia uma grande quantidade de gráficas no bairro e o sindicato da categoria era atuante no movimento sindical, reunindo muitos anarquistas e comunistas.

Com a vitória da Revolução de 1930 e a subida de Getúlio Vargas ao poder inúmeras manifestações tomaram conta da cidade e um dos primeiros alvos da ira dos operários foi a delegacia do Cambuci. Centenas de pessoas participaram do protesto, em outubro.

O lugar foi arrombado, incendiado e seus presos, libertados. O episódio se tornou conhecido como "Bastilha do Cambuci" em referência à tomada da Bastilha na Revolução Francesa de 1789. Posteriormente, a delegacia foi demolida, apagando uma triste história.

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