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O custo da maternidade

Estudos recentes evidenciam impactos biológicos e sociais para as mães

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Rossana Soletti

Uma mulher de 26 anos chega à emergência do hospital relatando dores, falta de ar e o crescimento de uma massa abdominal há algumas semanas, sintomas precedidos por fortes náuseas e vômitos. Os testes sanguíneos mostraram alterações em vários parâmetros, mas como um deles confirmou a existência de uma gravidez, o que antes era preocupante passou a ser trivial. "Não há nenhuma doença, ela só está grávida", concluíram os médicos.

É com um relato semelhante a esse que os pesquisadores Anna Smajdor e Joona Räsänen iniciaram uma discussão recente em um periódico de ética médica, destacando que a conhecida expressão "gravidez não é doença" esconde muitos riscos que afetam as gestantes e que, portanto, deveria ser revista.

Uma gambá anda pelos fios enquanto carrega alguns filhotes nas costas
Lívia Serri Francoio/Instituto Serrapilheira

Por se tratar de um tema sensível e com diversos pontos de vista, o artigo gerou muitas críticas, apontando, por exemplo, que a gestação, por ter efeitos adversos que algumas vezes podem ser graves, não é conceituada automaticamente como uma doença.

Apesar das polêmicas, o texto propiciou um debate importante ao colocar em perspectiva os riscos trazidos por uma gravidez. Embora o avanço da ciência nas últimas décadas tenha reduzido a mortalidade materna, esse índice ainda é muito alto em diversos países, variando de duas mortes maternas a cada 100 mil nascidos vivos na Noruega, para mais de 1.200 na República do Sudão do Sul.

Se o progresso científico é capaz de reduzir os riscos à saúde causados pela gravidez e pelo parto, a ciência também tem nos mostrado o quanto o desenvolvimento gestacional transforma o organismo materno, independentemente do desfecho. Por exemplo, mães biológicas incorporam algumas células de todos os fetos que gestaram, com consequências ainda não totalmente compreendidas.

O custo da gestação também é mais alto do que se imaginava em termos de gasto energético. Um trabalho de cientistas australianos recentemente publicado na Science estimou os custos gerais de reprodução em diferentes grupos de animais e concluiu que os mamíferos apresentam os maiores gastos reprodutivos. Humanos necessitam cerca de 50 mil calorias extras para a gravidez, das quais apenas 4% vão diretamente para o crescimento das células fetais, e o restante é usado para dar suporte às demandas de adaptação do organismo materno ao longo dos nove meses de desenvolvimento gestacional.

Assim como as transformações e demandas biológicas da gravidez têm sido mais bem compreendidas, os custos sociais também estão em evidência nos últimos anos. As pesquisas da economista estadunidense Claudia Goldin, da Universidade de Harvard, mostram os efeitos da conhecida "penalidade materna" no mercado de trabalho: após o nascimento de um filho, as mulheres geralmente passam a receber um salário inferior ou precisam largar o emprego, o que contribui para a desigualdade de gênero.

As maiores taxas de penalidade materna se concentram na América Latina, e chegam a 36% no Brasil. O próprio prêmio Nobel, com o qual Goldin foi laureada em 2023, reflete a difícil ascensão das pesquisadoras na ciência: dos 965 laureados entre 1901 e 2023, apenas 64 são mulheres.

A dificuldade de conciliar maternidade e carreira com um salário justo tem contribuído para que muitas mulheres adiem a maternidade ou decidam não ter filhos. De fato, quanto maior o percentual de participação feminina na força de trabalho de um país, menor tende a ser a taxa de fecundidade.

Para que a população de um território possa ser reposta, essa taxa deve ser superior a 2,1 filhos por mulher em idade reprodutiva. No Brasil, esse índice era de 6,3 filhos em 1960, e atualmente está em 1,7. Novas estimativas mundiais apontam que em 2100 cerca de 97% dos países não terão taxas de fecundidade altas o suficiente para sustentar o tamanho da população, trazendo um enorme desafio econômico e social para o mundo.

O modo como a gravidez e a maternidade são encaradas nas sociedades precisará ser revisto. Enquanto a mortalidade materna é maior em países onde as mulheres têm menos direitos reprodutivos e proteção social, a desigualdade de gênero ainda persiste mesmo em nações mais desenvolvidas. Para um futuro sustentável, é essencial promover direitos e saúde reprodutiva para as mulheres, além de não penalizar a carreira das que desejam ter filhos.

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Rossana Soletti é doutora em ciências morfológicas e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, de apoio à ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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