Darwin e Deus

Um blog sobre teoria da evolução, ciência, religião e a terra de ninguém entre elas

Darwin e Deus - Reinaldo José Lopes
Reinaldo José Lopes

Espelho mágico do feiticeiro de Elizabeth 1ª tinha origem asteca

Estudo usou pistas geoquímicas para achar fonte de artefato usado por John Dee

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O mundo da rainha Elizabeth 1ª, que governou a Inglaterra de 1558 a 1603, é um mundo gloriosamente esquisito. De um lado, é um ambiente de "alta cultura" eternizado pelas peças de William Shakespeare e o trabalho de outros literatos contemporâneos. É a época de Cervantes na Espanha, de Galileu na Itália, de Kepler na Alemanha, o mundo em que Portugal e Espanha são donos de impérios globais e as outras potências europeias, como a própria Inglaterra, estão tentando entrar nesse negócio também.

Ao mesmo tempo, porém, Elizabeth 1ª tinha a seu serviço um "consultor para assuntos ocultos", o erudito de origem galesa John Dee (1527-1609). Dee, o sujeito que cunhou a expressão "Império Britânico", representa muito bem a estranha mistura de uma visão mágica de mundo com interesse pela matemática e pela Revolução Científica de sua época. Essa mescla é perfeitamente simbolizada pelo fato de que o "espelho mágico" que ele dizia usar para conversar com espíritos é, na verdade, um fruto da Era das Navegações. Como diz o título desse post, as magias de Dee eram feitas, em parte, com um artefato do Império Asteca.

Quadro do século 16 mostra o mago John Dee, um homem branco, idoso, de barba branca comprida e touca preta
Retrato do erudito e mago inglês John Dee (1527-1609) feito por artista desconhecido - Creative Commons

A análise detalhada que demonstrou a procedência do "espelho mágico" está em artigo no periódico especializado Antiquity. Coordenado por Stuart Campbell, da Universidade de Manchester, o trabalho fez uma análise geoquímica do objeto, que é basicamente um círculo de obsidiana (vidro vulcânico), medindo pouco menos de 20 centímetros de diâmetro. Confira aqui embaixo.

Círculo de pedra negro polido, de origem asteca, funciona como espelho e foi usado pelo mago John Dee no século 16
Espelho de obsidiana (vidro vulcânico) usado pelo mago inglês John Dee, da corte da rainha Elizabeth no século 16 - Creative Commons

A composição da obsidiana bate com a que é extraída na região mexicana de Pachuca, que estava sob controle dos astecas antes da invasão espanhola no século 16. Entre os indígenas, os artefatos já tinham uma função ritual, sendo associados ao deus Tezcatlipoca -- nome que, não por acaso, significa "espelho fumegante" -- e usados para tentar observar o futuro.

Não se sabe exatamente como Dee se apossou do objeto. Mas ele viajou muito pelas cidades dominadas pela dinastia dos Habsburgos no continente europeu. Trata-se da mesma família imperial de origem germânica que governava a Espanha e suas colônias na época, e que passou a enviar para a Europa todo tipo de artefato de origem asteca, entre eles esses espelhos.

Uma última observação ligada à cultura pop: John Dee também é o nome do Doutor Destino do universo de quadrinhos DC, vilão que protagoniza alguns dos episódios mais assustadores da série "Sandman" (que agora também tem sua adaptação para a TV/streaming).

Reinaldo José Lopes

Repórter de ciência e colunista da Folha. Autor de "Homo Ferox" e "Darwin sem Frescura", entre outros livros

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.