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Carlos Bozzo Junior

'Angélica', de Miltinho e Chico Buarque, ganha capítulo importante em sua historia

Música é relançada como single de álbum no qual MPB 4 celebra 60 anos de carreira

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São Paulo

A música "Angélica", de Miltinho e Chico Buarque, será lançada nesta sexta-feira (17), nas plataformas digitais, como o primeiro single do álbum no qual o grupo vocal MPB 4 comemora 60 anos de carreira e homenageia o também grupo vocal Quarteto em Cy. Extremante bonita, "Angélica" é também música repleta de conteúdo.

A saber: a composição foi primeiramente lançada no LP "Querelas do Brasil", em 1978, pelo Quarteto em Cy, e pelo MPB 4, em 1979, no LP "Bons Tempos, Hein?", contando com o violão de Miltinho; piano e arp string synthesizer de Magro; contrabaixo de Bebeto Castilho; prato de Mário Negrão e arranjo do exímio violonista Luiz Cláudio Ramos. Chico Buarque só a gravou em 1981, no LP "Almanaque".

Em foto colorida, o  grupo Vocal MPB 4 e Chico Buarque de Holanda posam para a câmera
O grupo vocal MPB 4 e Chico Buarque de Holanda - Divulgação

No relançamento desta sexta-feira, o MPB 4 conta com a participação especial de Chico Buarque cantando "Angélica", que ganha mais um capítulo importante em sua bonita e ao mesmo tempo triste história.

Esta é a única parceria de Chico Buarque com um integrante do MPB 4. Segundo Antônio José Waghabi Filho, o Magro (1943-2012), integrante da formação original do MPB 4, no livro "Vozes do Magro", a composição da dupla é: "Grande música, poucas vezes creditada ao compositor, Miltinho".

Chico Buarque recebeu, nos anos 1970, das mãos de Miltinho, uma fita K-7 com uma melodia que demorou para ganhar letra. Em 1977, Chico recorreu a ela, no intuito de homenagear Zuzu Angel (1921-1976) e batizou a nova composição de "Angélica".

Estilista de moda reconhecida internacionalmente, Zuzu Angel, como era chamada a mineira Zuleika de Souza Netto, morreu aos 55 anos de idade, na madrugada do dia 14 de abril de 1976, após sofrer um atentado.

A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, órgão de estado vinculado ao governo federal, destinada a localizar e reconhecer os desaparecidos pela ditadura militar em decorrência de suas atividades políticas no período de 1961 até 1979, reconheceu que a morte de Zuzu Angel não foi um acidente, enquanto os militares negaram o envolvimento.

A caminho de sua casa, na Barra da Tijuca (RJ), a estilista teve seu Karmann Guia TC, com placa EB-328-GB, fechado por outro veículo, capotou várias vezes na saída do túnel Dois Irmãos (atualmente túnel Zuzu Angel), em São Conrado, na estrada Lagoa-Barra, caindo na pista de acesso ao Gávea Golf and Country Club. Leia mais na matéria publicada pela Folha, em https://acervo.folha.uol.com.br/digital/compartilhar.do?numero=5821&anchor=4238017&pd=1913f5e8d7fe10723fb70c07bb221dc4.

Dias antes do ocorrido, Zuzu Angel deixou na casa de Chico Buarque uma declaração que deveria ser publicada caso algo lhe acontecesse, assegurado que: "Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho".

Zuleika de Souza Netto casou-se com o norte-americano Norman Jones em 1943, e com o nome de Zuleika Angel Jones gerou, em Salvador, seu filho Stuart Edgart Angel Jones (1946 –1971). Stuart, ou Tuti, como era chamado foi estudante da faculdade de economia e administração da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Em foto preto e branca, o grupo vocal MPB 4 aparece em sua formação original no ano de 1966
O grupo MPB 4 em foto de 1966 - Folhapress

Entre os anos 1960 e 1970, o filho de Zuzu integrou organizações de esquerda que combatiam a ditadura militar no Brasil. Filiado ao MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), grupo guerrilheiro de ideologia socialista do Rio de Janeiro, que praticava luta armada contra a ditadura militar, Stuart, usando os codinomes de "Paulo" e "Henrique", foi preso em 14 de abril de 1971, acusado de assaltar e de sequestrar o embaixador americano no Brasil Charles Burke Elbrick (1908-1983).

Stuart Angel, o filho de Zuzu foi torturado e morto pelo CISA (Centro de Informações da Aeronáutica), na base aérea do Galeão, e posteriormente dado como desaparecido pelas autoridades, aos 25 anos de idade. Na ocasião o filho de Zuzu era casado com a militante Sônia Morais Jones (1946-1973), presa, torturada e morta dois anos depois e também dada como desaparecida.

Após o desaparecimento do filho, Zuzu Angel passou a fazer inúmeras denúncias sobre sua morte, mobilizando inclusive a atenção do então senador Ted Kennedy (1932-2009), que chegou a levar a triste história sobre Stuart, que tinha nacionalidade brasileira e norte-americana, ao Congresso dos Estados Unidos.

"Angélica", a música, é para essa mulher que morreu assassinada por um regime ditatorial responsável pela morte e sumiço do corpo de seu filho, nunca encontrado.

Chico, o autor com Miltinho, participou da gravação atual de "Angélica" e notou a ausência de uma parte da letra. Erro acertado, a gravação rolou com o arranjo angelical e o violão sublime de Dori Caymmi, além do arranjo vocal de Paulo Malaguti Pauleira, um dos atuais integrantes do MPB 4, com Aquiles, Dalmo Medeiros e Miltinho.

No novo capítulo da história de "Angélica", seis primeiros violinos, seis segundos violinos, seis violas, quatro violoncelos e dois contrabaixos fazem a cama para o MPB 4 deitar e rolar e nos lembrar de que a verdade algumas vezes pode não ser verossímil.

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