Tinto ou Branco

Tudo que você sempre quis saber sobre vinho, mas tinha medo de perguntar

Tinto ou Branco - Tânia Nogueira
Tânia Nogueira
Descrição de chapéu Todas

Você precisa provar vinhos da uva castelão

Casta de Setúbal, em Portugal, rende grandes vinhos de preços amigáveis

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Saudades de Portugal. Adoro vinho português e amo viajar pelo país. Há sempre boas surpresas. No primeiro semestre, fiz um tour pela Província de Setúbal, região nas vizinhanças de Lisboa cercada de Serras e, ao mesmo tempo, próxima do mar. Fui conhecer as vinícolas locais.

A Península de Setúbal fica abaixo de Lisboa, entre o Atlântico e os rios Tejo e Sado. Está dividida em duas zonas geográficas bem diferentes entre si. Formada pelas serras da Arrábida, Rosca e São Luís, e pelos montes de Palmela, São Francisco e Azeitão, com altitudes entre os 100 e os 500 m, a área mais a sudoeste é montanhosa. A outra parte da península, um pouco mais a leste, que estende-se junto ao rio Sado, é uma planície.

vinhedo com uvas tintas
A castelão por muito tempo foi usada quase exclusivamente para a produção de vinhos baratos - reprodução

Ali há duas denominações de origem controladas. "Setúbal" para os fortificados e "Palmela" para brancos, tintos, rosés e espumantes. Há ainda a indicação geográfica "Península de Setúbal" para vinhos um pouco mais simples.

Eu já havia provado vinhos da Província de Setúbal, é claro. Há muitos deles no mercado. Já tinha inclusive estado lá mais de uma vez. Adoro os vinhos do António Saramago, enólogo super importante da região. São de uma elegância ímpar. Conheci António e seu filho em uma degustação e acabei ficando amiga da família. Sempre que posso, vou visitá-los. No entanto, nunca prestei muita atenção aos outros vinhos de lá.

Essa viagem me fez ver que há coisas ótimas. Visitamos 12 vinícolas e degustamos outros vinhos. Em todas as visitas e degustações, descobri algo especial. Vou citar aqui só alguns exemplos. De manhã, na pequena Quinta do Brejinho, a mineralidade e elegância dos brancos tornou difícil cumprir uma regra básica para quem precisa degustar vinhos o dia inteiro: cuspir depois de avaliar o vinho.

Na Serenada, uma vinícola pequena junto a um hotel super charmoso, provei (e gostei muito) uma casta da qual nunca tinha ouvido falar, a tinta ramisco. Na Quinta do Piloto, uma vinícola bem maior, antiga, me surpreendi com um espumante extra brut feito pelo método clássico, bastante complexo, com dois anos sur lie e mais oito anos de garrafa.

Em quase todas provei vinhos de sobremesa deliciosos. A região produz tanto o moscatel de Setúbal quanto o moscatel roxo, vinhos doces com ótima acidez que põem a maioria dos portos no chinelo. No palácio da Bacalhôa, circulei com minha taça de moscatel roxo pelos jardins de inspiração francesa. Setúbal é linda para o enoturismo, mas isso fica para um outro texto.

Em todos os lugares por onde passei, uma casta me chamou a atenção: a castelão. Voltei apaixonada pelos vinhos feitos da castelão. Uva tinta de origem portuguesa, além da Península de Setúbal, a castelão aparece também em Lisboa, no Tejo e no Alentejo. É daquelas uvas que, como a nebbiolo e a baga, podem render vinhos muito rústicos se mal trabalhadas e, no entanto, vinhos hiper elegantes e complexos quando bem cultivadas e vinificadas.

"A castelão não é uma uva fácil", diz Ana Varandas, enóloga da Herdade de Espirra, uma vinícola linda, com instalações antigas, em Pegões, 50 km ao sul de Lisboa. "O mais importante é buscar a hora certa de colher. Pegões é a casa da castelão. Há vinhas velhas, que rendem vinhos ainda melhores".

É uma uva versátil, que rende vinhos de estilos variados. "Qual é o castelão ideal?", pergunta Filipe Cardoso, enólogo e membro da quarta geração da família à frente da Quinta do Piloto, em Palmela. "Cada um tem o seu".

Cardoso e os amigos José Nuno Caninhas, enólogo da equipe da Quinta do Piloto, e Luís Simões, enólogo da vinícola Horácio Simões, também de Palmela, juntos tocam um dos projetos mais interessantes da região, o Trois, de Vinhas Velhas, do Velho Mundo, que, infelizmente, está sem importadora no Brasil. Por acreditar nessa diversidade, os amigos criaram o Trois Castelão como um blend de três vinhos prontos. "Cada um de nós faz o seu e, no final, a gente mistura e dá no que der", diz rindo. A safra 2018, pelo menos, que eu provei, deu num vinho delicioso, de boa estrutura, mas muito elegante.

A castelão pode gerar grandes vinhos, com uma capacidade ótima de envelhecimento como relatei no post Um vinho de R$ 11 mil é tão melhor do que aquilo que você bebe?, ao contar sobre uma degustação vertical do vinho Periquita Clássico, da João Portugal Ramos, que é trazido para o Brasil pela Interfood. Periquita era o nome pelo qual a uva era conhecida antigamente, mas hoje ele é propriedade da João Portugal Ramos.

Mesmo os vinhos do dia-a-dia de castelão, no entanto, podem ser muito agradáveis. A seguir, três exemplos de vinhos que valem bem mais do que custam.

caixa de vinho bag in box
Bag in Box traz vinho para o dia a dia e dura até seis semanas - reprodução

Fazenda Velha Ermelinda de Freitas Bag in Box
O famoso vinho de combate, mas muito gostoso. Em Portugal, a Casa Ermelinda Freitas é quem produz o vinho da casa para boa parte dos restaurantes. É uma vinícola bem grande, que produz bons vinhos para todos os segmentos até para luxo. Quero destacar este castelão, em especial, para meus leitores que, por religião, não compram vinhos acima de R$ 30,00 ou que acham que nunca penso nos interesses deles, rs.

Sério, é um vinho bom, com aroma de fruta fresca. Na boca, tem estrutura, algum tanino, mas não é pesado e muito menos chato. Só certifique-se de que o vinho não está na loja há muito tempo. Bag in box não pode ser velho.

Este bag in box de 5 litros, está por R$ 189,90, no Empório Itiê. Ou seja, menos de R$ 30,00 a garrafa de 750 ml. Tem um outro chamado M.J. Freitas, um bag in box de 3 litros, vendido pelo Sam’s Club, bem parecido de gosto e preço, mas que na minha região está indisponível. Se você achar, pode comprar tranquilo.

taça e garrafa de vinho tinto
Tradição da vinícola Horácio Simões chama a atenção pelo frescor - Tânia Nogueira/arquivo pessoal/@tinto_ou_branco

Horácio Simões Tradição Tinto
Delicioso. Eu tomaria todos os dias. Um castelão leve, pouco extraído, com cor, transparência e leveza de pinot noir. Muito fresco. É morango, framboesa, tanto na boca como no nariz. Tem espinha dorsal apesar da leveza. Custa R$ 105,00 na Adega Alentejana, a importadora da Casa Agrícola Horácio Simões para o Brasil. Se me dessem para provar às cegas, eu chutaria um preço três vezes maior. Não é à toa que a safra 2021 levou 93 pontos da revista Decanter. Eu tomei a safra 2022, ótima.

garrafa de vinho
A Herdade da Espirra produz poucos vinhos, todos de muita qualidade - Tânia Nogueira/arquivo pessoal/@tinto_ou_branco

Herdade da Espirra 2015
Já este, se eu provasse às cegas, eu diria que é um nebbiolo, talvez até um barolo. Eu não fui a única que fiz essa associação no momento da prova. Os vinhos da Herdade da Espirra são vinificados de maneira bem tradicional, "old shool", como diz a enóloga Ana Varandas, numa adega de 100 anos, com lagar de pedra e tanques de cimento, mas passa 12 meses por madeira. Vem de vinhas velhas e tem a DOC Palmela. Já um vinho com 9 anos. No nariz, ele tem uma fruta escura profunda, tem fruta mais fresca por cima e uma rosa seca que me fez lembrar do Piemonte. O preço, para o que ele é, está razoável, R$ 200,00, na Vecchio Mondo. Se é que você gosta de vinhos old school.

A jornalista Tânia Nogueira viajou a convite da Comissão Regional Vitivinícola da Província de Setúbal

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.