Redução da população do planeta começará na metade deste século, diz livro

Urbanização, escolarização de mulheres e acesso à tecnologia devem afetar demografia

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São Carlos

Nos últimos cem anos, a população da Terra praticamente quadruplicou, indo de cerca de 2 bilhões nos anos 1920 aos quase 8 bilhões de hoje. Cientistas e políticos do mundo todo temem que essa tendência continue pelo menos até o fim do século, com efeitos potencialmente catastróficos sobre o ambiente, a segurança alimentar e a paz mundial. 

Um novo livro afirma, porém, que estamos com medo da ameaça errada. Segundo a obra, em breve, o planeta vai começar a se esvaziar de gente.

Multidão em carnaval de rua em São Paulo
Carnaval de rua em São Paulo - Avener Prado/Folhapress

Essa é a premissa de “Empty Planet” (“Planeta Vazio”), escrito por uma dupla de canadenses, o cientista político Darrell Bricker, executivo-chefe da Ipsos, empresa de pesquisas de opinião, e o jornalista John Ibbitson, repórter especial do diário Globe and Mail.

Eles argumentam que as projeções de crescimento populacional da ONU (Organização das Nações Unidas), que indicam um pico populacional global de 11 bilhões de pessoas no fim do século 21 antes que o número de terráqueos finalmente comece a declinar, não estão levando em conta a velocidade das transformações demográficas no mundo de hoje.

Baseando-se em modelos matemáticos de especialistas e em suas análises das tendências atuais, os autores da obra destacam que as Nações Unidas estão subestimando duas grandes forças. 

Uma delas é o avanço da educação, especialmente o acesso a ela entre um número cada vez maior de mulheres dos países em desenvolvimento. 

A outra é a presença cada vez mais maciça da tecnologia da informação —com smartphones baratos na vanguarda— mesmo nos lugares mais miseráveis da Terra.

Quem leva esses fatores mais sofisticados em consideração, afirmam os autores, acaba por concluir que é mais provável que alcancemos um pico de 9 bilhões de pessoas no mundo entre 2040 e 2060. Dali em diante, a coisa prosseguirá ladeira abaixo, de modo que terminaremos o século 21 mais ou menos com a mesma quantidade de gente que existe por aí neste ano de 2019.

A conclusão dos dois autores parece, de fato, uma consequência lógica das fases de transição demográfica que têm se repetido com bastante regularidade mundo afora desde o começo do século 19, seguindo, é claro, ritmos diversos em cada país.

Como explicam os autores, tudo começa com a situação mais comum em nações pré-industrializadas. Há muita gente nascendo e muita gente morrendo, o que faz com que o crescimento populacional não ocorra ou que seja muito lento.

A primeira mudança nesse cenário de “estado de natureza” vem com a introdução de noções modernas de higiene, nutrição e medicina, o que leva a mortalidade cair vertiginosamente, mas não chega a fazer cócegas na natalidade.

Como esse processo costuma ser acompanhado por crescimento econômico gerado em ambientes urbanos, entretanto, o passo lógico seguinte é a diminuição gradual do número de filhos, que deixam de ter o mesmo valor econômico quando uma família numerosa ajudava a trabalhar a terra da família.

Finalmente, o que demógrafos enxergam em todos os países e em todas as épocas é que a vinda para a cidade abre oportunidades educacionais e de emprego para as mulheres. E membros do sexo feminino com acesso a educação quase invariavelmente escolhem gerar menos filhos.

Esse processo se desenrolou ao longo dos séculos 19 e 20 nos países desenvolvidos, mas também tem se dado, com cronogramas variados, mesmo em nações remediadas e pobres. 

O exemplo brasileiro é emblemático. De 6 filhos por mulher na década de 1960, o país despencou para 1,7 filho por mulher hoje.

A média já está abaixo do “número mágico” que faz a população ficar estável no longo prazo —que é de 2,1 filhos por mulher (matematicamente só 2 seriam necessários, mas o 0,1 é acrescentado pelo fato de que algumas pessoas morrem antes de conseguir gerar filhos, é claro). 

Praticamente todos os países desenvolvidos já estão abaixo do nível necessário para repor a população no longo prazo, e vários países em desenvolvimento, a exemplo do nosso, estão indo na mesma toada.

E, como apontam os autores, tais forças —urbanização, educação feminina e acesso à tecnologia— estão agindo até mesmo nas favelas da Índia e do Quênia. 

Darrell Bricker e John Ibbitson descrevem a cena curiosa de telas de smartphones acendendo dentro dos saris das mulheres indianas que entrevistaram em sua pesquisa, ou um aplicativo queniano usado para calcular o valor em dinheiro das cabeças de gado tradicionalmente oferecidas por um noivo à família da noiva como presente nupcial. 

Apesar de misturarem o tradicional e o moderno, as mulheres em idade reprodutiva dos dois lugares se espelham cada vez mais num modelo de família que inclui apenas dois ou três filhos.

Se esse cenário continuar se espalhando pelo planeta, países que já alcançaram o nível inferior ao reabastecimento populacional precisarão cada vez mais da chegada de imigrantes para manter sua economia funcionando. 

Eis um argumento pragmático, e não apenas humanitário, em favor de fronteiras mais abertas no mundo todo.

Empty Planet: The Shock ​of Global Population Decline
Autores: Darrell Bricker e John Ibbitson​
Ed. Robinson
R$ 41,34 (ebook)
304 págs

Erramos: o texto foi alterado

A população da Terra entrará em declínio entre 2040 e 2060 segundo o livro "Empty Planet", e não no fim deste século, como afirmava título anterior desta reportagem.

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