Nobel de Química premia criação de baterias mais seguras e que carregam mais rápido

Baterias de íons de lítio revolucionaram a tecnologia de celulares, carros elétricos e fontes renováveis

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São Paulo

O Nobel de Química de 2019, anunciado nesta quarta (9), foi para John B. Goodenough, M. Stanley Whittingham e Akira Yoshino pelo desenvolvimento das baterias de íons de lítio, que revolucionaram a tecnologia.

Essas baterias estão em equipamentos que usamos para trabalhar, estudar, nos comunicar e nos mover, dos celulares aos carros elétricos, passando pelo armazenamento de energia de fontes renováveis, tanto a solar quanto eólica.

O prêmio de 9 milhões de coroas suecas, o equivalente a cerca de R$ 3,7 milhões, será dividido igualmente entre os três vencedores. Além do dinheiro, os vencedores também ganham uma medalha com a silhueta de Alfred Nobel e um diploma.

Com o anúncio do trio vencedor neste ano, John B. Goodenough, 97, passa a ser a pessoa mais velha a receber um Nobel. 

As baterias de íons de lítio foram criadas na década de 1970, durante a crise do petróleo. Stanley Whittingham, 77, buscava desenvolver novas fontes de energia que não dependessem de combustíveis fósseis.

Com a alta nos preços do petróleo e sendo este um recurso limitado, o receio de que o óleo se esgotasse no planeta levou uma empresa de petróleo e gás americana, Exxon, a reunir especialistas para pesquisarem novas fontes de energia. Whittingham estava entre eles. 

Ao estudar supercondutores, Whittingham criou um cátodo (eletrodo positivo) que junto ao ânodo (eletrodo negativo) das baterias de lítio (não recarregáveis) tinha grande potencial, mas também era muito instável devido a presença de lítio metálico, podendo causar, inclusive, explosões devido a um curto-circuito. Esse primeiro modelo tinha capacidade de produzir pouco mais de dois volts. 

Em sistemas galvânicos a corrente elétrica segue do ânodo (que neste caso é positivo) para o cátodo (negativo). Porém, em sistemas eletrolíticos, como as baterias de íons de lítio, durante a carga há inversão das polaridades.

Com a queda nos preços do petróleo nos anos 1980, a Exxon enxugou gastos e encerrou o programa de pesquisa.

 

Em 1980, John B. Goodenough decidiu tentar utilizar óxido de metal na fabricação das baterias para aumentar o potencial energético do produto. Com sucesso, o alemão demonstrou que ao intercalar óxido de cobalto e íons de lítio poderia dobrar o potencial energético, chegando aos quatro volts. 

A descoberta do cátodo de Goodenough criou o ambiente ideal para que Akira ​Yoshino, 71, pudesse desenvolver a primeira bateria comercializável de íons de lítio em 1985. Yoshino deu seu próprio toque à receita e demonstrou que era possível substituir o lítio instável do ânodo por coque de petróleo, material feito de carbono e que também é passível de ser intercalado com íons de lítio. 

As baterias criadas a partir das descobertas do trio no século passado são recarregáveis, mais leves e mais resistentes. Ao público geral as baterias chegaram apenas em 1991.

Roberto Manuel Torresi, professor titular do IQUSP (Instituto de Química da USP), aponta que era de se esperar que uma descoberta importante como a do trio laureado fosse premiada.

"Grandes coisas foram feitas graças a isso. As baterias de íons de lítio abriram um espectro imenso de novas formas de armazenamento eletroquímico de energia", diz.

Torresi ressalta que é difícil prever aonde podem chegar as pesquisas no campo das energias, mas aposta em novas tecnologias com baterias ainda mais potentes. 

O docente cita as baterias de lítio-ar, que requerem menos compostos químicos, utilizando a reação entre os eletrodos e o oxigênio no ar para gerar energia. Essa reação tem alto potencial energético, mas o problema é que quando um eletrodo é exposto ao oxigênio ele se deteriora rapidamente. O desafio, agora, é impedir que a deterioração aconteça. 

Flávio Vichi, que também leciona no IQUSP, acredita que a premiação do desenvolvimento das baterias de íons de lítio pode ajudar a mostrar à população a importância da ciência para o país. 

"São justamente essas baterias que permitem que as pessoas tenham os dispositivos que têm para se comunicar. Quando as pessoas pensarem no prêmio de química deste ano, espero que pensem que, apesar de haver pouco apoio das nações e governos, foi a tecnologia, fruto da ciência, que possibilitou muitas das coisas da vida moderna.", diz.

Entre os especialistas ouvidos pela Folha é unânime a aposta no uso do conhecimento construído pelos três laureados deste ano no desenvolvimento de carros elétricos que substituirão os modelos de combustão. Para Eder Tadeu Gomes Cavalheiro, professor do IQSC-USP (Instituto de Química da USP São Carlos), o petróleo está condenado. "Existem reservas, há postos de abastecimentos, indústria, mas a substituição precisa será gradual. Usamos o petróleo de forma indiscriminada e precisaremos partir para sistemas elétricos e mais limpos", afirma.

​Na segunda (7), foi anunciado o prêmio de Medicina e, na terça (8), o de Física. Os prêmios de Literatura, Paz e Economia e serão anunciados, respectivamente, na próxima quinta (10), sexta (11) e segunda (14). 

A láurea da área é destinada aos que fizeram as mais importantes descobertas ou aperfeiçoamentos químicos, segundo o testamento de Alfred Nobel (1833-1896).

Para a nomeação para o prêmio, o Comitê do Nobel para Química envia fichas confidenciais para pesquisadores qualificados —como membros da Academia Real Sueca de Ciências e laureados anteriores nas áreas de física e química— fazerem indicações. Ninguém pode indicar a si mesmo. 

A partir dos nomes indicados, a academia seleciona os laureados.

Prêmios do passado

A química era a ciência de maior importância no trabalho de Nobel, inventor da dinamite. Ele também foi responsável pelo desenvolvimento de borracha e couro sintéticos e seda artificial. Nobel registrou 355 patentes em seus 63 anos de vida.

Em 2018, os vencedores do Nobel de Química foram Frances H. Arnold e George P. Smith, dos EUA e Gregory P. Winter, do Reino Unido.

Os pesquisadores levaram a evolução para os tubos de ensaio, tornando o processo mais rápido e fácil. Com alterações e seleção genética, eles conseguiram desenvolver proteínas que ajudaram a solucionar alguns dos problemas químicos da sociedade.

Metade da premiação em dinheiro foi para Frances Arnold, responsável, em 1993, pela primeira evolução dirigida de enzimas —proteínas que catalisam, ou seja, facilitam reações químicas. Nesse experimento, a melhor proteína conseguida após análise das mutações era uma enzima 256 vezes melhor do que a original.

A pesquisa de Arnold, cientista do Instituto de Tecnologia da Califórnia, possibilita atualmente a produção de substâncias químicas mais amigáveis do ponto de vista ambiental além da possibilidade de desenvolvimento de combustíveis renováveis menos poluentes.

Arnold foi a quinta mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Química. 

A outra metade do prêmio foi dividida entre George Smith, da Universidade do Missouri, e Gregory Winter, do MRC Laboratório de Biologia Molecular.

Smith é responsável pelo desenvolvimento, 1985, de um mecanismo no qual um bacteriófago —vírus que infecta bactérias— é usado para criar novas proteínas.

Winter, por sua vez, usou esse mecanismo para a evolução dirigida de anticorpos, o que já resultou em novas drogas. O primeiro medicamento a ser produzido a partir desse método —o adalimumab— foi aprovado em 2002 e é usado para o tratamento de artrite reumatoide, psoríase e doença inflamatória intestinal.

O mesmo mecanismo já possibilita hoje a criação de anticorpos que podem neutralizar toxinas, frear doenças do sistema imune e até mesmo curar câncer metastático, com imunoterápicos —área de pesquisa vencedora do Nobel de Medicina de 2018.

Curiosidades sobre o Nobel de Química

  1. 111 prêmios foram distribuídos desde 1901

  2. Em oito anos não houve entrega do prêmio devido às duas guerras mundiais —1916, 1917, 1919, 1924, 1933, 1940, 1941 e 1942

  3. De todos os prêmios entregues, 63 tiveram um único vencedor, 23 foram divididos entre duas pessoas e 25 foram divididos entre três pessoas

  4. A primeira mulher a ganhar um Nobel de Química foi Marie Curie, em 1911. Ela também foi a primeira pessoa na história a ganhar a ser laureada duas vezes. Ela já havia sido premiada em 1903 com um Nobel de Física

  5. Apenas Frederick Sanger foi premiado duas vezes com o Nobel de Química, em 1958 e 1980

  6. 184 pessoas já foram premiadas com o Nobel de Química

  7. A pessoa mais jovem premiada na categoria foi Frédéric Joliot aos 35 anos em 1935. Ele foi premiado junto com sua esposa Irène Joliot-Curie

  8. A pessoa mais velha a ganhar um Nobel de Química é o laureado deste ano John B. Goodenough, que tem 97 anos. Antes dele, o mais velho era John B. Fenn, 85, premiado em 2002

  9. Duas pessoas foram obrigadas por Adolf Hitler a recusarem o prêmio em dinheiro do Nobel de Química: Richard Kuhn, em 1938, e Adolf Butenandt, em 1939. Eles receberam a medalha e o diploma, mas não o dinheiro

As mulheres laureadas 

Desde 1901 —primeiro ano da cerimônia—, o prêmio de Química só acabou cinco vezes nas mãos de mulheres: Frances Arnold, Ada Yonath, Marie Curie, Irène Joliot-Curie e Dorothy  Crowfoot Hodgkin. 

Ao todo, 19 mulheres estão entre os mais de 600 premiados nas três categorias científicas (Marie Curie recebeu o de Física e o de Química).
 

Física
1903 - Marie Curie
1963 - Maria Goeppert-Mayer 
2018 - Donna Strickland

Química
1911 - Marie Curie
1935 - Irene Joliot-Curie
1964 - Dorothy Crowfoot Hodgkin
2009 - Ada Yonath
2018 - Frances Arnold

Medicina
1947 - Gerty Cori 
1977 - Rosalyn Yalow 
1983 - Barbara McClintock 
1986 - Rita Levi-Montalcini
1988 - Gertrude Elion 
1995 - Christiane Nuesslein-Volhard 
2004 - Linda Buck 
2008 - Francoise Barre-Sinoussi 
2009 - Elizabeth Blackburn 
2009 - Carol Greider 
2014 - May-Britt Moser
2015 - Youyou Tu

Erramos: o texto foi alterado

Uma versão anterior do texto dizia que John B. Fenn, 85, havia sido a pessoa mais velha a ganhar um Nobel até 2019. Na verdade, o posto era de Arthur Ashkin, 96. O erro foi corrigido.

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