Cientistas resolvem o paradoxo do rabo da lagartixa

Objetivo era descobrir como esses animais conseguem se livrar tão rapidamente da cauda quando ameaçados

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Jack Tamisiea
The New York Times

Ao escolher entre a vida e um membro, muitos animais sacrificam tranquilamente um membro.

A capacidade de deixar cair apêndices é conhecida como autotomia, ou autoamputação. Quando encurraladas, as aranhas dispensam pernas, os caranguejos abandonam garras e alguns pequenos roedores descartam pedaços de pele. Algumas lesmas-marinhas até se decapitam para livrar-se dos corpos infestados de parasitas.

Mas os lagartos talvez sejam os mais conhecidos usuários da autotomia. Para escapar de predadores, muitos lagartos desprendem suas caudas, que continuam em movimento. Esse comportamento confunde o predador, dando ao lagarto tempo para fugir. Embora haja desvantagens em perder a cauda —elas servem para realizar manobras, impressionar parceiros e armazenar gordura—, é melhor do que ser devorado. Muitos lagartos têm a capacidade de regenerar os rabos perdidos.

Lagartixa
A lagartixa solta sua cauda quando é ameaçada por um predador - Wikimedia Commons

Cientistas estudaram esse comportamento antipredatório meticulosamente, mas as estruturas que permitem seu funcionamento são intrigantes. Se um lagarto pode se separar da cauda em um instante, o que a mantém conectada em situações não ameaçadoras?

Yong-Ak Song, engenheiro bioquímico na Universidade de Nova York em Abu Dhabi, chama isso de "o paradoxo da cauda": ela deve ser ao mesmo tempo aderente e destacável. "Ele precisa se livrar da cauda rapidamente para sobreviver", disse Song sobre o lagarto. "Mas ao mesmo tempo não pode perdê-la com demasiada facilidade."

Recentemente, Song e seus colegas tentaram resolver o paradoxo examinando várias caudas recém-amputadas. Eles não tiveram dificuldade para encontrar espécimes para o teste —segundo Song, o campus da universidade é cheio de lagartixas. Usando pequenos laços presos a varas de pescar, eles capturaram vários lagartos de três espécies: dois tipos de lagartixas e um lagarto do deserto conhecido como lagarto de franja nos dedos.

De volta ao laboratório, eles puxaram os rabos dos lagartos com os dedos, instigando-os a praticar a autotomia. Eles filmaram o processo resultante a 3.000 quadros por segundo usando uma câmera de alta velocidade. (Os lagartos foram devolvidos a seus locais de origem.) Então os cientistas colocaram as caudas agitadas sob um microscópio eletrônico.

Lagartixa
As lagartixas possuem ventosas nas patas que se assemelham à estrutura de cogumelo que possuem também na cauda - Pixabay

Em escala microscópica, eles viram que cada fratura onde a cauda tinha se destacado do corpo era cheia de pilares em forma de cogumelo. Ampliando ainda mais a imagem, eles viram que cada cogumelo era salpicado de pequenos poros. A equipe ficou surpresa ao descobrir que, em vez de partes da cauda entrelaçadas ao longo dos planos de fratura, os densos bolsos de micropilares em cada segmento pareciam apenas se tocar ligeiramente. Isso fazia a cauda do lagarto parecer uma constelação de segmentos frouxamente conectados.

No entanto, modelos de computador dos planos de fratura da cauda revelaram que as microestruturas em forma de cogumelo eram capazes de liberar energia acumulada. Um motivo é que elas são cheias de brechas minúsculas, como pequenos poros e espaços entre cada ponta de cogumelo. Esses vazios absorvem a energia de um puxão, mantendo a cauda intacta.

Enquanto essas microestruturas podem suportar puxões, a equipe descobriu que elas eram suscetíveis a fissuras com uma leve torção. Eles determinaram que as caudas eram 17 vezes mais propensas a sofrer fraturas por dobras do que por puxões. Nos vídeos em câmera lenta feitos pelos pesquisadores, os lagartos giravam as caudas para cortá-las precisamente em duas ao longo do plano de fratura carnudo.

Sua conclusões, publicadas na quinta-feira (17) na revista Science, ilustram como essas caudas alcançam o equilíbrio perfeito entre firmeza e fragilidade. "É um belo exemplo do princípio de Cachinhos Dourados aplicado a um modelo na natureza", disse Song.

Segundo o engenheiro químico Animangsu Ghatak, do Instituto Indiano de Tecnologia Kanpur, a biomecânica das caudas desses lagartos lembra as microestruturas pegajosas encontradas nos dedos aderentes de lagartixas e rãs-das-árvores, ou pererecas. "Precisa haver o equilíbrio exato entre adesão e separação, porque isso permite que esses animais escalem superfícies íngremes", disse Ghatak, que não participou do estudo. Ele acrescentou que as patas dos animais são cobertas por milhões de pequenas cerdas compostas de pontas em forma de cogumelo.

Esse projeto foi totalmente dirigido pela curiosidade. Nós simplesmente queríamos saber como as lagartixas ao nosso redor se separavam de seus rabos tão rapidamente

Yong-Ak Song

Engenheiro bioquímico na Universidade de Nova York em Abu Dhabi

Os pesquisadores acreditam que compreender o processo que permite aos lagartos dispensar suas caudas poderá ser útil para a aplicação de próteses, enxertos de pele ou curativos, e pode até ajudar os robôs a se livrarem de peças defeituosas.

Entretanto, Song está mais entusiasmado por finalmente compreender como as criaturas do campus escapam dos predadores.

"Esse projeto foi totalmente dirigido pela curiosidade", disse ele. "Nós simplesmente queríamos saber como as lagartixas ao nosso redor se separavam de seus rabos tão rapidamente."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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