Física Lisa Randall diz que matéria escura matou dinossauros

Hipótese está em livro de professora de Harvard que chega agora ao Brasil

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São Paulo

A busca de pistas do que seja a misteriosa matéria escura segue em andamento há quase meio século, o que tem motivado pesquisadores a pensar fora da caixinha.

Mas é difícil ser mais criativo do que Lisa Randall, física de partículas da Universidade Harvard, proponente da hipótese de que a matéria escura matou os dinossauros.

Ué, não foi um bólido a colidir com a Terra 66 milhões de anos atrás? Calma, foi sim. Essa parte não está em debate. Mas Randall sugere que isso só aconteceu por conta de uma fortuita e periódica travessia do Sistema Solar pelo disco da Via Láctea.

Mulher com uma mão no braço olha para frente e sorri
A professora Lisa Randall - Rose Lincoln/Universidade Harvard

Ao cruzar o plano da galáxia, interações gravitacionais da matéria escura contida nele com alguns dos objetos mais distantes a orbitar o Sol teriam atirado diversos deles na direção do interior do sistema planetário, promovendo colisões violentas, entre as quais a que vitimou os dinossauros.

Há uma tonelada de "ses" atrelada a essa hipótese.

Ela funciona se de fato existir um aumento periódico de grandes impactos a cada 32 milhões de anos (o que nem todo mundo concorda).

Se ao menos parte da matéria escura se comportar de forma diferente dos modelos habituais, concentrando-se no disco galáctico, em vez de formando apenas um halo esférico mais ou menos homogêneo ao redor dela.

E se houver quantidade suficiente dela no disco para produzir os efeitos gravitacionais sobre os objetos da chamada nuvem de Oort, o repositório mais longínquo de resquícios da formação do Sistema Solar. Isso para citar apenas os três maiores "ses".

A conversa, naturalmente, é complexa, e a física de partículas americana escreveu um livro inteiro para esmiuçá-la. "O Universo Invisível", originalmente publicado nos EUA em 2015, sai agora no Brasil pela Companhia das Letras. Leia a seguir os melhores trechos da entrevista com a autora.

Uma das grandes ideias do livro é a noção de que tudo, mesmo que pareça estar distante da realidade cotidiana, compõe um quadro que explica o que estamos fazendo aqui. É possível fazer um paralelo com o que Carl Sagan costumava chamar de consciência cósmica. É por aí?  Deixe-me dizer que há modos muito diferentes de pensar que tudo está conectado. Há aquele jeito, sei lá, como "O Segredo", ou algo assim, e eu quero deixar bem claro que não estou falando disso. Não estou falando de modos místicos em que as coisas possam estar conectadas.

Não penso nisso como consciência, mas como o fato de que, se você busca entender o que você é em um nível fundamental, de que é feito, e aí vê que sem esses ingredientes em particular, sem essas leis da física específicas, você não teria o mundo que vê hoje, isso é incrível.

Quer dizer, pensar que algumas coisas que parecem tão irrelevantes para nós na verdade contribuíram para nossa existência. Essas conexões não são sempre completamente óbvias, ou nem de perto óbvias. Algumas vezes as respostas estão sob seu nariz, mas outras, para realmente ter um entendimento profundo, você precisa voltar a entender os fundamentos.

Em "O Universo Invisível", a senhora apresenta a noção de matéria escura interagente e a possibilidade de um segundo disco feito dela na Via Láctea, comentando que os dados do satélite Gaia ajudariam a colocar algumas restrições a essa hipótese. O livro foi escrito em 2015, e agora há dados do Gaia. Como a hipótese se saiu desde então? Houve vários artigos científicos em que eles procuram o disco. Dois afirmam descartar certos parâmetros, e um vê evidências de um disco que tem um pouco menos de densidade do que gostaríamos.

Eu não concluiria decisivamente que foi descartado, nem que está lá também.

A evidência não é conclusiva, mas há alguma sugestão de um disco que seja um pouco menos denso do que o que seria exibido para causar essa perturbação na nuvem de Oort, nas partes exteriores do Sistema Solar. Então, eu não chamaria de um sucesso espetacular, mas também não necessariamente a descartaria.

Ao juntar matéria escura e dinossauros, a senhora traz essa noção de que há uma periodicidade em extinções em massa... Deixe-me dizer, uma periodicidade em impactos de cometas grandes. Nem todas elas levam a extinção em massa, a última foi causada por um objeto assim... Só quero distinguir a física real, que é algum objeto batendo na Terra, da extinção em massa, que é outro passo.

No livro, a senhora apresenta isso como uma noção não muito firme. Algumas pessoas acham que essa periodicidade existe, outras que não, que seria ruído parecendo com periodicidade. Eu me pergunto se, desde a publicação do livro, a senhora tem acompanhado essa área também, se há novos desenvolvimentos. Não, eu não tenho, mas você deve ter em mente que o que estamos olhando como evidência são crateras de potenciais impactos de cometa. E essas estão lá. A não ser que descubram mais delas, as estatísticas são o que são.

Procuramos por crateras dos últimos 500 milhões de anos. Quer dizer, é muito legal que tenhamos essa evidência, essas grandes crateras que vieram de grandes objetos, maiores que um quilômetro. E o fato de que há apenas 20 ou 25 delas de que saibamos, as estatísticas são fracas, você preferiria ter melhor estatística.

Mostramos que a hipótese é estatisticamente favorecida, mas não por uma enorme quantidade que necessariamente convença todo mundo. Inclusive nós mesmos.

Nós ainda queremos saber se é verdade ou não. Mas o que gostamos sobre esse projeto foi promover esse debate.

E, claro, o grande elefante na sala é a matéria escura. Sete anos se passaram desde que você escreveu o livro e parece que estamos ainda no mesmo ponto. Há experimentos, alguns resultados intrigantes, mas nenhuma conclusão definitiva. O que mudou de lá para cá? Na fronteira da ciência você sempre está fazendo coisas que são difíceis de estudar. Quer dizer, se fossem fáceis, alguém já teria feito no último século e você estaria sem emprego. Então você estuda coisas que são difíceis.

No caso da matéria escura, só lembrando, é algo que conhecemos por meio de seus efeitos gravitacionais, mas não sabemos em um nível fundamental.

É uma partícula? Qual é sua massa? Quais são suas interações, se houver alguma? O que sabemos é que ela interage de forma extremamente fraca com a nossa matéria.

Além da gravidade, não sabemos de nenhuma outra interação, então o que isso nos diz é que não é o material com que estamos familiarizados. É algo novo, o que é empolgante.

E as pessoas a procuraram sob o que eu diria que é uma premissa otimista de que ela de algum modo está conectada a extensões do modelo padrão da física de partículas. E não a encontraram.

Então eu acho que a maior mudança, embora possa estar nos bastidores e você possa não ver lá fora, foi das pessoas percebendo que há outras possibilidades para o que matéria escura pode ser e pensando criativamente sobre novos modos de procurar por ela. Claro, ainda não sabemos o que é, mas eu queria dizer que não é inteiramente chocante que não saibamos o que é.

Por definição, é algo que não interage muito com matéria, o que significa que é realmente difícil de ver. Então, o fato de que não vimos algo que é difícil de ver na verdade não é incrivelmente surpreendente.

A senhora defende no livro a ideia de que a astrofísica tem mais a contribuir a essa altura na compreensão da matéria escura do que experimentos de partículas. Ainda é essa a sua opinião? Depende do que você chama de experimentos de partículas e depende do que a matéria escura é. Eu acho que não deveríamos subestimar nenhum deles.

Não sabemos o que é e não sabemos como vamos encontrá-la, então queremos pensar em todos os meios possíveis...

Acho que seríamos muito sortudos se a encontrássemos em experimentos de física de partículas, porque significaria que ela tem interações ou conexões com o modelo padrão de modos que não sabemos serem verdadeiros.

Então eu diria que os caminhos da astrofísica são de certo modo mais gerais em alguns casos. Mas isso não significa que nós devamos fazer um ou outro. Nós deveríamos fazer os dois.

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