'Mary Anning em formação', menina de 11 anos encontra fóssil de réptil gigante no Reino Unido

Pesquisadores descrevem o maior fóssil de ictiossauro conhecido, que podia chegar ao tamanho de uma baleia-azul

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São Paulo

Foi andando com o pai nas areias da praia de Blue Anchor, em Somerset, no sudoeste do Reino Unido, que Ruby Reynolds, à época com 11 anos, se deparou com restos do que parecia ser uma mandíbula de réptil pré-histórico. Era maio de 2020.

Ela e o pai, Justin Reynolds, identificaram o material fóssil e entraram em contato com pesquisadores da Universidade de Manchester, também no Reino Unido, que haviam encontrado outros restos fósseis de répteis em um local próximo em 2018.

Reconstrução do fóssil Ichthyotitan severnensis em uma praia jurássica na região de Somerset, na Inglaterra
Reconstrução do fóssil Ichthyotitan severnensis em uma praia jurássica na região de Somerset, na Inglaterra - Sergey Krasovskiy

O resultado do estudo foi a descrição de um novo gênero e espécie de réptil marinho do Triássico Superior (cerca de 202 milhões de anos atrás) que podia chegar a 25 metros de comprimento. O artigo, que também assinam Ruby, hoje com 15 anos, e Justin, foi publicado nesta quarta-feira (17) no periódico científico PLOS One.

A menina rememora os passos da mais famosa paleontóloga, a inglesa Mary Anning, que procurava fósseis na região litorânea da Inglaterra para ajudar na loja do pai, que era um comercializador de fósseis.

Anning encontrou o primeiro fóssil aos dez anos, um amonite (molusco), e aos 12 localizou um esqueleto de ictiossauro —atualmente, o Museu de História Natural de Londres tem uma exibição em uma sala inteira dos fósseis de Anning.

"Foi muito legal descobrir parte desse ictiossauro gigante. Estou muito orgulhosa de ter participado de uma descoberta científica como essa", afirmou Reynolds.

Batizado de Ichthyotitan severnensis (em referência ao estuário de Severn, local onde foi achado o material), o fóssil representa o maior ictiossauro, grupo de répteis marinhos extintos que viveram na era Mesozóica (de 251 a 66 milhões anos), encontrado até então. A aparência do animal era semelhante ao dos golfinhos atuais —embora fossem répteis.

O material fóssil consiste em dois ossos suprangulares, nome dado à porção mais posterior das mandíbulas inferiores dos répteis e às quais se conecta a musculatura que faz a ligação com o restante do crânio. Quanto mais comprida for essa porção, maior é a estimativa do crânio e, consequentemente, do animal como um todo. O tamanho aproximado das mandíbulas é de dois metros de comprimento.

Até então, o maior ictiossauro descrito tinha sido escavado de rochas do período Triássico de Nevada (Estados Unidos), com estimativa de 17 metros de comprimento da ponta do focinho até a cauda.

Mais recentemente, vértebras de um outro exemplar com tamanho aproximado de 21 metros tinham sido encontradas em sedimentos triássicos dos Alpes suíços. Nenhum dos fósseis, porém, ultrapassa a estimativa de 21 a 22 m de comprimento.

Segundo Dean Lomax, primeiro autor do estudo publicado nesta quinta e pesquisador do grupo de pesquisa em paleobiologia da Universidade de Bristol e do Departamento de Ciências da Terra e Ambientais da Universidade de Manchester, é esperado que o I. severnensis tenha um tamanho máximo de 25 metros –a média se aproxima à de um fóssil encontrado próximo da região estudada e descrito em 2018 por Lomax e sua equipe, de 20 a 25 metros de comprimento.

"Essa pesquisa está em andamento há oito anos, e é bastante notável pensar que ictiossauros gigantes, do tamanho de baleias-azuis, nadavam nos oceanos ao redor do que hoje é o Reino Unido há 200 milhões de anos. As mandíbulas fornecem pistas tentadoras de que um dia, talvez, um crânio ou esqueleto completo desses gigantes possa ser encontrado, nunca se sabe", disse.

Ele pode, ainda, representar um dos últimos ictiossauros gigantes do período —a extinção do final do Triássico teria eliminado grande parte da diversidade com tamanhos exacerbados, e os ictiossauros que permaneceram do Jurássico até o final do Cretáceo eram relativamente menores.

A região de Somerset já é conhecida como uma área onde há muitos fósseis marinhos triássicos. Em 2016, o colecionador de fósseis Paul de La Salle foi procurado por Lomax e sua equipe por um material fóssil encontrado por ele —descrito, em 2018, na esperança de um dia, quem sabe, encontrar outro fóssil.

Alguns anos depois, a equipe passou a procurar mais registros fósseis de répteis na região. No caso do achado da família Reynolds, após o contato inicial a equipe voltou com os pesquisadores da Universidade de Manchester para concluir o trabalho de escavação, que só foi completado em outubro de 2022.

As peças que foram escavadas se encaixavam como um quebra-cabeças, disse Lomax. "Isso permitiu reconstruir digitalmente a mandíbula", afirma.

Para confirmar que os ossos encontrados pertenciam a ictiossauros, Lomax e equipe contaram ainda com o trabalho de Marcello Perillo, mestrando da Universidade de Bonn, na Alemanha. Ele fez algumas lâminas do osso dentário e analisou a estrutura no microscópio. "Algumas características típicas de ictiossauros gigantes, como o crescimento anormal do periósteo [membrana que recobre os ossos e, assim, pode ajudar a entender o ritmo de crescimento] indicam um desenvolvimento ainda pouco compreendido neste grupo e que pode ajudar a desvendar o sucesso de animais gigantes na história evolutiva profunda."

Além disso, o pesquisador destaca o uso de ferramentas de análise paleontólogica que permitem revelar processos de desenvolvimento no nível celular. "Isto nos ajuda a determinar a influência de pressões ambentais ou de patologias na história de vida do animal e também a natureza mecânica e estrutural do osso. Juntas, essas duas ferramentas são fundamentais e oferecem uma imagem completa de formas de vida extintas."

A participação de Justin e a filha na pesquisa ajuda, também, a estimular a participação da sociedade em descobertas científicas, diz Lomax. "Perguntei a eles se gostariam de se juntar à equipe para estudar e descrever o fóssil, e eles aceitaram. Para Ruby, especialmente muito significativa, porque ela é agora uma cientista que não apenas encontrou, mas ajudou a nomear um réptil pré-histórico gigante. Não há muitos jovens de 15 anos que podem afirmar que fizeram isso. É uma Mary Anning em formação."

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