O gatilho que faz uma mãe polvo se destruir

Estudo recém-publicado ajudar a explicar a fisiologia desse estranho comportamento

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Nicholas Bakalar
The New York Times

A maioria das espécies de polvos vive por um ano. Mas as mortes de polvos fêmeas depois de se reproduzirem são há muito tempo um espetáculo científico.

Por que exatamente as mães polvo praticam uma forma de automutilação que leva à morte logo após a reprodução permanece um mistério.

Mas um estudo publicado no último dia 12 na revista Current Biology usa o polvo-da-Califórnia como modelo para ajudar a explicar a fisiologia desse estranho comportamento.

Z. Yan Wang, professora assistente de psicologia e biologia na Universidade de Washington e autora do trabalho, explicou que a fêmea da espécie passa por três estágios reprodutivos.

Polvo no Laboratório de Biologia Marinha de Woods Hole, em Massachusetts - Matt Cosby/The New York Times

Depois que acasala, a fêmea produz os ovos e cuida deles com cuidado. Ela pega cada ovo, um a um, e os amarra cuidadosamente em longas fileiras. Em seguida, cola-os na parede de sua toca e fica lá, soprando água sobre os ovos para mantê-los oxigenados e protegendo-os ferozmente dos predadores.

Mas então ela para de se alimentar. Começa a passar muito tempo longe dos ovos. Ela perde a cor e o tônus muscular; seus olhos ficam danificados. Muitas mães começam a se machucar. Algumas se esfregam no cascalho do fundo do mar, ferindo a pele; outras usam suas ventosas para criar lesões ao longo de seus corpos. Em alguns casos, até comem os próprios tentáculos.

Os cientistas sabem há algum tempo que o comportamento reprodutivo do polvo, incluindo a morte, é controlado pelas duas glândulas ópticas do animal, que funcionam como a pituitária ou hipófise nos vertebrados, secretando hormônios e outros produtos que controlam vários processos corporais. (As glândulas são chamadas de "óptica" devido a sua localização entre os olhos do animal. Elas não têm nada a ver com a visão.) Se ambas as glândulas forem removidas cirurgicamente, a fêmea abandona a ninhada, começa a comer novamente, cresce e tem uma vida mais longa.

O novo estudo descreve vias químicas específicas produzidas pelas glândulas ópticas que regem esse comportamento reprodutivo.

Uma via, segundo eles descobriram, gera pregnenolona e progesterona, o que não é surpreendente, porque essas substâncias são produzidas por muitos outros animais para apoio à reprodução.

Outra produz os precursores de ácidos biliares que promovem a absorção de gorduras alimentares, e uma terceira produz 7-desidrocolesterol, ou 7-DHC. O 7-DHC também é gerado em muitos vertebrados. Nos seres humanos, ele tem várias funções, incluindo papéis essenciais na produção de colesterol e de vitamina D. Mas os níveis elevados de 7-DHC são tóxicos e estão ligados a distúrbios como a síndrome de Smith-Lemli-Opitz, doença hereditária rara caracterizada por severos problemas intelectuais, de desenvolvimento e comportamentais.

Nos polvos, Wang e seus colegas suspeitam que o 7-DHC pode ser o fator essencial para desencadear o comportamento de automutilação que leva à morte.

Roger T. Hanlon, cientista sênior no Laboratório de Biologia Marinha de Woods Hole, em Massachusetts, que não participou do estudo, disse que "este é um estudo elegante e original, que aborda uma antiga questão ligada à reprodução e à morte programada na maioria dos polvos".

Wang disse que "para nós, o mais emocionante foi ver esse paralelo entre polvos, outros invertebrados e até humanos". Ela acrescentou que foi "notável ver o uso compartilhado das mesmas moléculas em animais muito distantes uns dos outros".

As moléculas podem ser as mesmas, mas a morte é diferente, disse ela. Geralmente vemos a morte humana como uma falha de sistemas orgânicos ou de funções. "Mas em um polvo isso não é verdade", disse Wang. "O próprio sistema a estaria causando."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

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