Como a mastigação moldou a evolução humana

Mudança nas necessidades com alimentos cozidos ou amassados pode ter influenciado até mesmo a aparência dos nossos rostos

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Kate Golembiewski
The New York Times

Os humanos passam cerca de 35 minutos por dia mastigando. Isso dá mais de uma semana inteira a cada ano. Mas não é nada comparado com nossos "primos": os chimpanzés mastigam por 4,5 horas por dia, e os orangotangos, 6,6 horas.

As diferenças entre nossos hábitos de mastigação e os de nossos parentes mais próximos oferecem insights sobre a evolução humana. Um estudo publicado na quarta-feira (17) no periódico Science Advances explora quanta energia as pessoas utilizam mastigando e como isso pode ter guiado nossa transformação gradual em humanos modernos.

Além de prevenir engasgos, a mastigação torna a energia e os nutrientes dos alimentos acessível ao sistema digestivo. Mas o próprio ato de mastigar exige um gasto de energia. Adaptações aos dentes, mandíbulas e músculos desempenham um papel na eficiência com que os humanos mastigamos.

Alimentos cozidos e uso de ferramentas reduziram a pressão para os humanos fossem supermastigadores - Adobe Stock

Adam van Casteren, autor do novo estudo e pesquisador na Universidade de Manchester, na Inglaterra, disse que até agora cientistas não se aprofundaram nos custos energéticos da mastigação em parte porque, quando comparada com outras coisas que fazemos, como caminhar ou correr, mastigar consome apenas uma fatia fina do bolo de uso energético. Mas mesmo vantagens comparativamente pequenas podem exercer um papel grande na evolução, e Casteren quis descobrir se esse poderia ser o caso da mastigação.

Para medir a energia gasta com a mastigação, Casteren e seus colegas equiparam os participantes do estudo com capuzes plásticos, segundo ele parecidos com um capacete de astronauta. Os capuzes eram ligados a tubos para medir o oxigênio e o dióxido de carbono da respiração. Como os processos metabólicos são alimentados por oxigênio e produzem dióxido de carbono, a troca de gases pode ser uma medição útil de quanta energia é gasta com uma atividade. E então os pesquisadores deram chiclete aos participantes.

Mas não um chiclete doce: as bases de goma que eles mascaram não tinham sabor nem aroma. Os sistemas digestivos reagem a sabores e odores; os pesquisadores queriam ter a certeza de estarem medindo apenas a energia associada à mastigação, e não a energia de um estômago preparando-se para receber uma refeição saborosa.

Os participantes mascaram dois pedaços de chiclete, um duro e um mole, por 15 minutos cada um. Os resultados surpreenderam os cientistas. O chiclete mais mole elevou o índice metabólico dos participantes 10% acima do que quando estavam em repouso; o chiclete mais duro levou o índice a subir 15%.

"Não pensei que haveria uma diferença tão grande", disse Casteren. "Mudanças muito pequenas nas propriedades materiais do objeto que você está mastigando podem causar aumentos substanciais no gasto energético, e isso abre todo um universo de perguntas."

Como mastigar alimentos mais duros —no caso do estudo, chiclete mais duro— gasta significativamente mais energia, essas conclusões sugerem que o custo metabólico da mastigação pode ter exercido um papel importante em nossa evolução.

Quando os alimentos ficaram mais fáceis de serem processados pelos humanos, por serem cozidos ou amassados com ferramentas, além do cultivo de plantas otimizadas para servirem de alimento, isso pode ter reduzido a pressão para os humanos serem supermastigadores. A evolução de nossas necessidades de mastigação pode até ter moldado a aparência do rosto humano.

"Uma coisa que ainda não conseguimos entender realmente é por que o crânio humano tem aparência tão bizarra", comentou o bioantropólogo Justin Ledogar, da East Tennessee State University, que não contribuiu para o estudo. Comparado com nossos parentes mais próximos, nosso esqueleto facial é delicado, com mandíbulas, dentes e músculos masticatórios relativamente pequenos. "Tudo isso reflete uma dependência menor da mastigação forte", ele disse.

Mas Ledogar acrescentou que nosso rosto mais chato e mandíbulas mais curtas nos permitem morder com mais eficiência.

"Isso reduz o custo metabólico do processo todo da alimentação", ele explicou. Os humanos desenvolveram maneiras de mastigar com mais eficiência, mas não com mais força. Casteren, que espera continuar seu estudo usando alimentos reais, diz que está animado com a perspectiva de descobrir mais sobre como os humanos evoluíram.

"Para mim, saber sobre as causas ambientais, sociais e alimentares que nos levaram a chegar aqui é infinitamente interessante", ele disse, porque permite à humanidade "tentar desvendar como será o caminho nebuloso pela frente".

Tradução de Clara Allain

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