Misteriosos cometas ocultos no cinturão de asteroides intrigam astrônomos

É possível que eles tenham se formado longe do Sol durante os caóticos primórdios do sistema solar

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Robin George Andrews
The New York Times

O que esperamos encontrar no cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter? A resposta correta, e que não surpreenderia ninguém, seria: asteroides —milhões de pedaços de detritos rochosos. Recentemente, porém, astrônomos identificaram alguns objetos esdrúxulos escondidos no meio dos detritos, aparentemente perdidos: cometas.

Agora, como foi divulgado no último dia 7 num estudo publicado no Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, uma pesquisa que procurou localizar esses objetos heterodoxos pode ter encontrado outro indivíduo gelado lançando sua própria matéria no espaço.

Cientistas identificaram o suspeito cometa com a câmera grande angular do telescópio Isaac Newton, em La Palma, nas Ilhas Canárias. Durante três sessões de observação entre 2018 e 2020, eles observaram 534 asteroides diferentes, buscando sinais da coma de um cometa —a efêmera nuvem gasosa que o reveste— ou de uma cauda formada pela poeira de um cometa sendo empurrada pela radiação do Sol.

Telescópio Isaac Newton em La Palma, nas Ilhas Canárias - Victor R. Ruiz

Convencionalmente, os cometas são compostos de um núcleo —um cerne sólido formado por vários gelos e poeira. Quando um cometa se aproxima do Sol, seus gases mais voláteis se convertem em vapor, criando uma coma e dois tipos de cauda.

Acredita-se que os cometas vieram da periferia do sistema solar e de mais longe ainda. Diferentemente de seus "primos" gelados que frequentemente ficam nos confins gelados externos de nosso sistema estelar, o cinturão de asteroides ou cinturão principal, os cometas ficam na borda mais quente do sistema solar interior. Esses cometas são tão antigos quanto os asteroides vizinhos, razão porque sua matéria congelada é um enigma.

"Precisamos poder explicar como o gelo deles sobreviveu por tanto tempo", disse Léa Ferellec, pós-graduanda de astronomia na Universidade de Edimburgo e uma autora do estudo.

Solucionar esse mistério ajudará a explicar não apenas a diversidade planetária e o layout do sistema solar, mas também um dos maiores enigmas da astronomia: de onde veio a água da Terra?

Astrônomos desconfiam de que pelo menos parte da água da Terra tenha vindo de um bombardeio de cometas vindos de longe. Mas missões exploratórias robóticas e observações a distância demonstraram que as impressões digitais químicas da água dos cometas frequentemente não correspondem às da água terrestre. Além disso, é mais fácil para objetos do cinturão de asteroides colidirem com o planeta.

Isso significa que objetos como os cometas do cinturão principal "podem ser uma fonte da água da Terra", disse o astrônomo Colin Snodgrass, da Universidade de Edimburgo e coautor do estudo.

Como é o caso de outros cometas, os gelos de um cometa do cinturão principal se convertem em vapor e formam uma coma quando passam ao lado do Sol. Fato bizarro, eles orbitam no cinturão de asteroides, um cemitério de detritos que não se fundiram para formar planetas.

O primeiro principal cinturão de cometas foi descoberto em 1996, mas "sempre se encontra uma explicação para um objeto que destoa dos demais", disse Snodgrass, sugerindo que o cinturão pode ter capturado um cometa intrujão. Desde então, contudo, foram detectados oito outros. Cerca de 20 outros objetos ligados ao cinturão vistos desfazendo-se de massa —possivelmente em função da vaporização periódica de gelo, como ocorre com os cometas, por girarem de modo desordenado ou por impactos recentes com asteroides— são considerados candidatos a tornar-se cometas.

Pesquisadores do estudo, esperançosos de localizar mais objetos singulares no cinturão principal, encontraram apenas um candidato novo: o 2001 NL19.

"Este é o único que parece ter alguma coisinha", disse Ferellec, descrevendo algo que lembra uma cauda tênue do objeto afastando-se do Sol. Pode ter se originado da vaporização de gelo, tornando o objeto cometário. Serão necessárias mais observações quando ele se reaproximar do Sol, momento em que uma coma ou cauda tem mais probabilidades de aparecer.

Independentemente de como o 2001 NL19 será classificado, o número de cometas confirmados no cinturão principal sugere que "essas coisas são nativas do cinturão de asteroides", disse Snodgrass. Sua origem ainda é desconhecida, se bem que algumas hipóteses já tenham sido aventadas.

É possível que os cometas do cinturão principal, como suas contrapartes mais distantes e convencionais, tenham se formado longe do Sol durante os caóticos primórdios do sistema solar, mas, em vez de permanecerem remotos, tenham sido empurrados pela gravidade de outros objetos e colocados no que hoje é o cinturão de asteroides. Após bilhões de anos, qualquer gelo primordial remanescente estaria enterrado muito fundo debaixo de suas superfícies rochosas. Se eles são atingidos por outro asteroide, parte desse gelo será trazido à tona, expondo-o à luz estelar escaldante.

Incertezas à parte, uma coisa está clara: a existência de cometas-asteroides excêntricos complica nosso desejo de classificar os fenômenos naturais em categorias estanques.

"Sempre digo: ‘Tudo é um cometa’", disse o astrônomo Kacper Wierzchos, do Laboratório Lunar e Planetário da Universidade do Arizona e não envolvido no estudo. "Se levássemos meu sofá para suficientemente perto do Sol, ele começaria a derreter e teria uma coma."

Tradução de Clara Allain

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