Descrição de chapéu The New York Times

Arqueólogos criam um relógio melhor para os tempos bíblicos

Projeto tenta verificar autenticidade histórica de relatos do Antigo Testamento sobre ofensivas egípcias, aramaicas, assírias e babilônicas

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Franz Lidz
The New York Times

Quando se trata de atribuir datas às campanhas militares descritas na Bíblia, os parâmetros da discussão assumem proporções quase bíblicas. Quando os amalequitas guerrearam contra os hebreus no deserto? Josué lutou na Batalha de Jericó em 1500 a.C., em 1400 a.C. ou alguma vez?

Essa incerteza existe, em parte, porque a análise de radiocarbono que os cientistas usam até agora para datar restos orgânicos é menos precisa para certas épocas. E, em parte, porque os arqueólogos frequentemente discordam sobre quais devem ser os cronogramas de diferentes narrativas. Mas uma nova técnica, que utiliza dados geomagnéticos consistentemente confiáveis, permite que os cientistas estudem com maior confiança a história do Levante.

Muitos materiais, incluindo rochas e solos, registram as reversões e variações ao longo do tempo no campo geomagnético invisível da Terra. Quando cerâmicas antigas ou tijolos de barro que contêm minerais ferromagnéticos, ou certos minerais contendo ferro, são aquecidos a temperaturas suficientemente altas, os momentos magnéticos dos minerais se comportam como uma agulha de bússola, refletindo a orientação e a intensidade do campo no momento da queima. A nova metodologia pode fornecer uma espécie de relógio geobíblico.

Bíblia personalizada de pastora durante evento para mulheres na igreja Assembleia de Deus
Bíblia personalizada de pastora durante evento para mulheres na igreja Assembleia de Deus - Zo Guimaraes - 16.out.2021/Folhapress

"Com base na semelhança ou diferença nos sinais magnéticos registrados, podemos corroborar ou refutar hipóteses" sobre quando certas camadas de sedimentos teriam sido destruídas durante batalhas bíblicas, disse Yoav Vaknin, estudante de doutorado na Universidade de Tel Aviv e na Universidade Hebraica de Jerusalém, que foi pioneiro nessa tecnologia. "Tudo se encaixa perfeitamente, melhor do que eu jamais imaginei."

A pesquisa de Vaknin, publicada este ano no The Proceedings of the National Academy of Sciences, utiliza informações de 20 estudiosos internacionais para mapear um conjunto de dados geomagnéticos de 21 camadas de destruição histórica em 17 locais na Terra Santa.

O projeto é uma tentativa de verificar a autenticidade histórica dos relatos do Antigo Testamento sobre as ofensivas egípcias, aramaicas, assírias e babilônicas contra os reinos de Israel e Judá, e os conflitos entre esses dois reinos. Para os leitores curiosos, os principais incluíam Shoshenq I (1 Reis 14:25-26), Hazael (2 Reis 12:18), Jeoás (2 Reis 14:11-15), Tiglate-Pileser III (2 Reis 15:29), Senaqueribe (2 Reis 18-19) e Nabucodonosor (2 Reis 25:1-21).

"Com este novo conjunto de dados, podemos restringir as coisas a um nível de décadas", disse Thomas Levy, arqueólogo da Universidade da Califórnia em San Diego, que não participou do estudo. "Isso é super importante ao tentar conectar eventos históricos antigos ao registro arqueológico."

A verdadeira importância da pesquisa está nas conexões interdisciplinares, disse Oded Lipschits, arqueólogo e um dos coautores do estudo: especialistas na nova técnica, conhecida como arqueomagnetismo, ganham "âncoras cronológicas" com o trabalho dos arqueólogos —bases firmes na linha do tempo histórica. "E, em troca, a arqueologia ganha uma nova ferramenta de datação, cuja principal aplicação é no primeiro milênio a.C., período em que o radiocarbono é menos eficaz e impossível de confiar."

O estudo se destaca não só pelo conteúdo, mas também por seus pesquisadores. Todos os autores do trabalho, exceto um, são arqueólogos —muitos deles com visões contraditórias sobre a história bíblica e a cronologia do período.

Em vez de fornecer datas absolutas, o banco de dados de Vaknin compara leituras magnéticas de materiais queimados em vários locais. Onde a evidência histórica já estabeleceu cronogramas precisos, os locais próximos também podem ser datados.

Para entender o misterioso mecanismo do campo magnético da Terra, os geofísicos rastreiam suas mudanças ao longo da história usando relíquias arqueológicas —fornos, cacos de cerâmica e telhas— que contêm minerais ferromagnéticos.

Em um artigo de 2020, Vaknin e seus colegas usaram fragmentos do piso e cerâmica quebrada de um prédio escavado num estacionamento em Jerusalém para recriar o campo magnético da Terra, como era no nono mês hebraico de Av, 586 a.C., que é reconhecido como a data em que Nabucodonosor e seu exército babilônico aniquilaram o Primeiro Templo e a cidade de Jerusalém.

O estudo mais recente reconstruiu o campo magnético registrado em vestígios queimados em locais bíblicos na atual Israel que foram arrasados pelo fogo. Usando leituras arqueomagnéticas que foram preservadas durante milênios em tijolos de barro, em uma colmeia de abelhas e em duas coleções de objetos de cerâmica e informações históricas de inscrições antigas, a equipe analisou camadas de ruínas deixadas por conflitos militares.

As descobertas ajudam a resolver um antigo debate sobre como o Reino de Judá caiu e refuta as afirmações de que o antigo assentamento de Tel Beit She'an, um ímã para conflagrações e cercos épicos, foi arrasado no século 9o a.C. pelos exércitos arameus de Hazael de Damasco. A datação magnética indica, em vez disso, que Beit She'an foi queimada até o chão cerca de 70 a 100 anos antes; isso liga a destruição ao faraó egípcio Shoshenq, cuja campanha foi descrita na Bíblia hebraica e numa inscrição na parede do Templo de Amon em Karnak, no Egito, que menciona Beit She'an como uma das conquistas do rei.

Curiosamente, outros dados indicam que, cerca de um século depois, os soldados de Hazael incendiaram vários assentamentos: Tel Rehov, Tel Zayit e Horvat Tevet, além de Gath, uma das cinco cidades reais dos filisteus (e lar de Golias), cuja destruição é citada em 2 Reis 12:17. O estudo, que examinou os registros geomagnéticos em todos os quatro locais no momento da demolição, sugere fortemente que eles foram queimados durante a mesma ofensiva militar, segundo os pesquisadores.

Vaknin passou quatro anos sendo pioneiro na aplicação da pesquisa paleomagnética à arqueologia bíblica, auxiliado por seus orientadores de doutorado, Lipschits, Erez Ben-Yosef, da Universidade de Tel Aviv, e Ron Shaar, do Instituto de Ciências da Terra da Universidade Hebraica de Jerusalém.

Ben-Yosef disse esperar que o novo método de datação finalmente resolva as perguntas sobre a queda do Reino de Judá. Embora seja amplamente aceito que os babilônios destruíram a estrutura política da Judeia em 586 a.C., alguns pesquisadores, com base em evidências históricas e arqueológicas, argumentam que os invasores não foram os únicos responsáveis. A intensidade do campo magnético registrada na camada de destruição do sítio de Malhata —uma cidade na periferia sul de Judá— é diferente e significativamente menor que a registrada na destruição babilônica de Jerusalém, a capital do reino. "Isso significa que as duas destruições não podem estar relacionadas ao mesmo evento", disse Ben-Yosef.

Os dados arqueomagnéticos forneceram evidências claras de que Malhata foi destruída décadas depois, o que se encaixa na ideia de que os edomitas, vizinhos do sul de Judá, aproveitaram a fraqueza dos judaítas após o ataque babilônico e invadiram seu território.

"Esses acontecimentos estão refletidos na Bíblia hebraica", disse Ben-Yosef. "Eles explicam a animosidade contra os edomitas por vários profetas, principalmente Obadias."

Os estudiosos que absolveram parcialmente os babilônios devem se sentir justificados, acrescentou. "Agora, os resultados magnéticos apoiam sua hipótese. O grande problema desta pesquisa é que, após décadas de trabalho para estabelecer um banco de dados de referência, finalmente colhemos os frutos de nosso trabalho, e o que vimos se tornou uma poderosa ferramenta de datação na arqueologia bíblica que, sem dúvida, se tornará parte do kit de ferramentas dos arqueólogos que trabalham na Terra Santa."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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