Tubarão raro descoberto em praia grega pode ser brinquedo de plástico

Publicado em revista cientifica, o artigo de cidadãos comuns levantou dúvidas em estudiosos da área

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Annie Roth
The New York Times

O tubarão-duende é um peixe que habita as águas profundas e cujas mandíbulas protráteis, assustadoras, serviram de inspiração para os seres apavorantes da franquia de filmes "Alien". Pouco é sabido sobre esses tubarões esquivos, raramente avistados. Sabe-se que vivem em águas costeiras profundas em todo o mundo, mas nunca foram encontrados no mar Mediterrâneo.

Mas recentemente cientistas relataram a descoberta do que disseram ser um tubarão-duende que teria aparecido numa praia grega. O anúncio, feito no ano passado no periódico Mediterranean Marine Science, desencadeou uma série de acontecimentos quase tão bizarros quanto a própria espécie, envolvendo narrativas científicas contraditórias, uma retratação e a possibilidade de um brinquedo de plástico ter dado origem a toda a confusão.

Comparação entre o tubarão-duende encontrado na Grécia (A) e o tubarão-duende fêmea das águas do Japão (B)
Comparação entre o tubarão-duende encontrado na Grécia (A) e o tubarão-duende fêmea das águas do Japão (B) - Giannis Papadakis e Nicholas Straube/The New York Times

Segundo o artigo científico original, o tubarão-duende mediterrâneo foi descoberto em agosto de 2020 por um homem chamado Giannis Papadakis. Depois de encontrar o animal, ele o colocou sobre algumas pedras e fez uma foto. A imagem chegou às mãos de um grupo de cientistas locais e, dois anos depois, eles a publicaram junto a registros de outra espécie encontrada no Mediterrâneo pela primeira vez.

O artigo parecia descrever um êxito da ciência cidadã, em que pessoas sem formação científica auxiliam cientistas profissionais em suas pesquisas. Mas não demorou para especialistas em tubarões de todo o mundo começarem a manifestar dúvidas em um grupo do Facebook quanto à autenticidade do tubarão-duende.

"Não parecia certo", disse David Ebert, autor do livro "Sharks of the World". Segundo ele, vários aspectos do tubarão encontrado na Grécia eram incomuns.

"Ele é pequeno demais. Suas guelras não aparentam estar abertas", ele disse. "Não parece nada natural."

Ebert e outros também estavam céticos porque nenhum cientista examinara o tubarão diretamente. O artigo era baseado unicamente em uma foto e uma descrição breve feita por Giannis Papadakis.

Em novembro, um grupo de pesquisadores de tubarões publicou um artigo de comentário questionando se o tubarão-duende encontrado na Grécia era um animal real.

"Temos dúvidas" e "é um espécime natural" foi o que disseram. Os pesquisadores argumentaram que a ausência de dentes, as barbatanas arredondadas demais e o baixo número de aberturas de guelras não eram característicos dos tubarões-duende.

Pouco depois disso foi compartilhada nas redes sociais outra imagem que faria o ceticismo aumentar tremendamente. Era a foto de um tubarão-duende de plástico vendido por uma empresa italiana de brinquedos, DeAgostini, que guardava semelhança bizarra com o animal encontrado na Grécia.

Não foi possível falar com a fabricante de brinquedos, DeAgostini.

Para Jurgen Pollerspock, pesquisador de tubarões e um dos autores do artigo que apresentou as dúvidas quanto à autenticidade do tubarão-duende grego, o brinquedo "revela grande semelhança com o espécime na imagem publicada".

Em resposta às dúvidas expressas por Pollerspock e seus colegas, os autores do artigo original reiteraram suas afirmações. Também corrigiram sua estimativa quanto ao tamanho do espécime, de 76 cm para 18 cm, e sugeriram que existe a possibilidade de ele seja um embrião.

"Embriões desse tamanho não são viáveis", respondeu Pollerspock.

Então, nesta semana, os autores do artigo original o retrataram admitindo que há incertezas demais em torno da descoberta. Contatado por email, um dos escritores se negou a responder a outras perguntas.

Assim se encerrou uma saga que durou quase um ano e que levou muitos pesquisadores de tubarões a questionar o que estavam vendo em suas telas de computador.

Pollerspock disse que é possível que haja tubarões-duende escondidos nas profundezas do Mar Mediterrâneo, mas que até agora não foi encontrado nenhum.

Quer o tubarão nesta imagem revele ser um peixe real, quer ele não passasse de um pedaço de poluição plástica, críticos dizem que o fato de a imagem ter sido publicada numa revista científica chama a atenção para as imperfeições do processo de revisão científica por pares.

"Na minha opinião, o problema e a responsabilidade cabem ao editor do periódico e aos revisores", disse Pollerspock.

Segundo ele, a aparência incomum do tubarão não foi a única coisa que deveria alertar os revisores da revista científica sobre a possibilidade de um problema. O fato de a alegação feita no artigo ser baseada em apenas uma imagem fornecida por um cientista cidadão justificaria um exame mais apurado.

O editor da Mediterranean Marine Science não respondeu a um pedido de comentário.

Se os pesquisadores que publicaram o artigo agora retratado sobre o tubarão-duende grego admitam ter publicado a foto de um brinquedo, ou não, Ebert disse que não se surpreenderá se algo do tipo voltar a ocorrer, dados os problemas da revisão por pares e a alta incidência de poluição dos mares por plásticos.

"Tudo é possível", destacou.

Tradução de Clara Allain

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