Invertebrados colonizam lixão no meio do oceano Pacífico

Espécies costeiras que normalmente jamais seriam encontradas em alto-mar pegaram carona nos detritos flutuantes

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São Carlos (SP)

Grandes áreas do oceano Pacífico que hoje estão coalhadas de lixo flutuante (formado quase sempre por pedaços de plástico de todos os tamanhos) ainda assim abrigam pequenas comunidades de invertebrados marinhos, revela um novo estudo.

Muitos dos bichos pertencem a espécies costeiras, que normalmente jamais seriam encontradas em alto-mar. Os animais pegaram carona nos detritos e acabaram indo parar em pontos que ficam a milhares de quilômetros do litoral. Mesmo assim, estão se reproduzindo e colonizando o lixão oceânico.

Os resultados surpreendentes acabam de sair em artigo na revista especializada Nature Ecology & Evolution. Para os autores da pesquisa, os detritos lançados pela humanidade se tornaram tão onipresentes que acabaram dando origem ao que eles chamam de comunidade neopelágica —um novo conjunto de espécies que se estabeleceu no meio do oceano.

Alguns crustáceos isópodes vivem no lixão flutuante no meio do oceano Pacífico e podem crescer até 50 cm
Alguns crustáceos isópodes vivem no lixão flutuante no meio do oceano Pacífico e podem crescer até 50 cm - LIPI

No trabalho, que tem como primeira autora Linsey Haram, do Centro de Pesquisa Ambiental Smithsonian (EUA), os cientistas estudaram detritos que estavam boiando no chamado NPSG (Giro Subtropical do Pacífico Norte, na sigla inglesa). Essa região do oceano abriga a Grande Mancha de Lixo do Pacífico, local onde as correntes oceânicas concentraram destroços de todo tipo ao longo das últimas décadas.

Ao contrário do que se imagina, o lixão flutuante do NPSG é composto principalmente por fragmentos muito pequenos de plástico, embora, é claro, pedaços maiores também estejam presentes. Já se sabe que espécies costeiras de invertebrados são capazes de atravessar grandes distâncias agarradas a esse tipo de lixo ou a detritos de origem natural, como galhos de árvores. Foi o que aconteceu após o tsunami que afetou o Japão em 2011, por exemplo —animais marinhos de origem japonesa foram parar na costa oeste americana.

Haram e seus colegas decidiram verificar se um processo parecido poderia levar à colonização biológica da Grande Mancha de Lixo. Eles coletaram um total de 105 fragmentos da porção leste do NPSG —em geral, eram pedaços de coisas como caixas e cestos plásticos que já tinham sido bastante degradados pelo tempo que passaram no mar, tornando-se pouco espessos e friáveis (fáceis de quebrar). Também havia pedaços de redes de náilon, de cordas e de engradados.

A análise dos destroços revelou que 95% deles continham espécies pelágicas —ou seja, naturalmente típicas de alto-mar—, mas 70% também abrigavam invertebrados que normalmente são costeiros. Cada pedaço de lixo continha uma média de cinco espécies diferentes, a maioria das quais de origem costeira. No total, cerca de 50 espécies foram identificadas —a conta pode ser maior porque nem sempre os pesquisadores conseguiram determinar a espécie exata de invertebrado.

Entre os bichos flutuantes estavam anêmonas, diversos tipos de crustáceos, como isópodes (o mesmo grupo dos tatuzinhos-de-jardim, que são terrestres) e anfípodes (que lembram camarões), e também grupos menos conhecidos, como os hidroides e briozoários, que podem formar colônias, de maneira semelhante à dos corais.

Além disso, os pesquisadores observaram que ao menos alguns dos bichos parecem estar se reproduzindo ali. Há fêmeas com ovos e animais de diferentes tamanhos, indicando processos de crescimento.

Aliás, o sucesso reprodutivo talvez seja explicado pelas características das próprias espécies. A maioria dos animais costeiros possui desenvolvimento direto (sem passagem por fases larvais complicadas com exigências específicas de habitat) ou se reproduz de forma assexuada. Isso pode ter facilitado a colonização do NPSG a bordo dos detritos.

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