Por que as pessoas ouvem canções tristes? Novo estudo tenta responder

Pesquisadores sugerem que essas canções nos ajudam a nos sentir conectados

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Oliver Whang
The New York Times

Quando Joshua Knobe era mais jovem, ele recordou recentemente, conheceu uma roqueira indie que cantava "músicas tristes, de partir o coração, que te deixavam arrasado". Ele encontrou um vídeo no YouTube acompanhado pela música dela e que tratava de suicídio. "Essa era o tema da música dela", disse Knobe. "Fiquei perplexo, porque ao mesmo tempo eu tinha a impressão de que a música tinha um valor imenso."

Esse é o paradoxo da música triste: geralmente não gostamos de sentir tristeza na vida real, mas curtimos arte que nos faz sentir assim. Inúmeros estudiosos, desde Aristótoles, já tentaram explicar o fenômeno. Talvez a música nos ofereça uma catarse de emoções negativas. Pode ser que haja uma vantagem evolutiva nisso, ou possivelmente sejamos socialmente condicionados a apreciar nosso próprio sofrimento. Talvez o corpo produza hormônios em resposta ao mal-estar fragmentário provocado pela música, criando um sentimento de consolo.

Hoje Knobe é filósofo e psicólogo experimental na Universidade Yale —e está casado com a roqueira indie que cantava aquelas músicas de partir o coração. Em um novo estudo publicado no Journal of Aesthetic Education, ele e alguns colegas tentaram lançar luz sobre esse paradoxo, perguntando exatamente o que é a música triste.

Geralmente não gostamos de sentir tristeza na vida real, mas curtimos as formas de arte que nos fazem sentir assim - Zanone Fraissat/Folhapress

Em suas pesquisas ao longo dos anos, Knobe descobriu que as pessoas frequentemente formam duas concepções da mesma coisa, uma delas concreta e a outra abstrata. Por exemplo, as pessoas podem ser consideradas artistas se exibem um conjunto concreto de qualidades, como ser tecnicamente talentosas com um pincel. Mas se não exibirem determinados valores abstratos –se, por exemplo, não tiverem criatividade, curiosidade ou convicção e se simplesmente recriam obras-primas do passado para obter lucro rápido—, podemos dizer, em outro sentido, que não são artistas. Talvez as canções tristes tivessem natureza dupla semelhante, pensaram Knobe e sua ex-aluna Tara Venkatesan, cientista cognitiva e soprano operática.

Pesquisas já constataram que nossa reação emocional à música é de fato multidimensional. Quando ouvimos uma canção bela, não ficamos apenas felizes, e não sentimos unicamente tristeza ao ouvir uma canção triste. Uma sondagem feita em 2016 com 363 ouvintes concluiu que as reações emocionais a canções tristes se enquadram a grosso modo em três categorias: pesar, incluindo emoções negativas poderosas como raiva, terror e desespero; melancolia, uma tristeza suave, um anseio ou autocompaixão; e a tristeza doce, um pitada prazerosa de consolo ou apreciação. Muitas pessoas entrevistadas descreveram um misto das três reações. (Os pesquisadores intitularam seu estudo "Cinquenta Tons de Azul" –sendo que "blue", ou azul, também significa tristeza.)

"Durante toda a vida aprendemos a mapear a relação entre nossas emoções e os sons que produzimos", disse o musicólogo Tuomas Eerola, da Universidade Durham, na Inglaterra, e um dos pesquisadores do estudo "Cinquenta Tons". "Reconhecemos a expressão emocional na fala, e a maioria das pistas são usadas de modo semelhante na música."

Outros cientistas, entre eles o psicólogo musical Patrik Juslin, da Universidade Uppsala, na Suécia, argumentam que essas conclusões esclarecem pouco sobre o valor da música triste. Ele escreveu em um artigo acadêmico: "Elas simplesmente transferem o ônus da explicação de um nível – ‘Por que o segundo movimento da sinfonia Eroica de Beethoven suscita tristeza?’—para outro nível, ‘por que um andamento lento provoca tristeza?"

Em vez disso, Juslin e outros propõem que existem mecanismos cognitivos com os quais a tristeza pode ser induzida nos ouvintes. Reflexos inconscientes no tronco cerebral; a sincronização do ritmo com alguma cadência interna, como a frequência cardíaca; respostas condicionadas a sons particulares; memórias desencadeadas; contágio emocional, uma avaliação reflexiva da música –parece que todos esses fatores desempenham algum papel. Pelo fato de a tristeza ser uma emoção tão intensa, é possível que sua presença possa provocar uma reação empática positiva: sentir a tristeza de outra pessoa pode te emocionar de alguma maneira.

"Você está se sentindo só, se sentindo isolado", disse Knobe. "E então você ouve uma música ou lê um livro e sente que não está mais tão só."

Para testar essa hipótese, ele, Venkatesan e George Newman, psicólogo da Rotman School of Management, montaram um experimento em duas partes. Na primeira parte, entregaram uma de quatro descrições de canções a mais de 400 participantes. Uma descrição era de uma canção que "transmite emoções profundas e complexas", mas também era "tecnicamente muito falha". Outra descrevia uma canção "tecnicamente impecável" e que "não transmite emoções profundas ou complexas". A terceira canção era descrita como profundamente emocional e tecnicamente impecável, e a quarta, como tecnicamente falha e não emocional.

Foi pedido aos participantes que indicassem, numa escala de sete pontos, se sua canção "encarna o que a música realmente é". O objetivo era esclarecer até que ponto a expressão emocional de modo geral –de alegria, tristeza, ódio ou qualquer outra emoção— é importante para a música em um nível intuitivo. De modo geral, os participantes relataram que as canções profundamente emocionais, mas tecnicamente falhas, eram as que melhor refletiam a essência da música. A expressão emocional era um valor mais importante que a perfeição técnica.

Na segunda parte do experimento, envolvendo 450 participantes novos, os pesquisadores deram a cada participante 72 descrições de canções emotivas que expressavam sentimentos, incluindo "desdém", "narcisismo", "inspiração" e "luxúria". A título de comparação, também deram aos participantes orientações que descreviam uma interação falada em que uma pessoa expressa seus sentimentos. (Por exemplo: "um conhecido está conversando com você sobre como foi sua semana e expressa saudades ou melancolia.") De modo geral, as emoções que os participantes consideraram ter raízes profundas na "essência da música" foram aquelas que fazem as pessoas se sentirem mais conectadas umas às outras quando conversam: amor, alegria, solidão, tristeza, êxtase, tranquilidade, pesar.

Mario Attie-Picker, filósofo da Universidade Loyola em Chicago, que ajudou a chefiar a pesquisa, considerou os resultados importantes e convincentes. Depois de analisar os dados, propôs uma ideia relativamente simples: talvez ouçamos música não para sentir uma reação emocional –muitos participantes relataram que música triste, apesar de ser artística, não lhes dava grande prazer—, mas pelo senso de ligação com outros que ela nos proporciona. Quando isso se aplica ao paradoxo da música triste, a conclusão é que apreciamos esse tipo de música não por gostarmos de tristeza, mas porque valorizamos a conexão com outras pessoas. Knobe e Venkatesan concordaram imediatamente.

"Já acredito nisso", disse Eerola quando foi informado sobre o estudo. Ele já constatou em suas próprias pesquisas que pessoas especialmente empáticas são mais propensas a se emocionar com música triste que não conheciam antes. "Elas estão dispostas a embarcar nesse tipo de tristeza fictícia que a música lhes inspira", ele disse. Essas pessoas também apresentam alterações hormonais mais significativas em resposta a música triste.

Tradução de Clara Allain

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