Descrição de chapéu The New York Times

Cientistas encontram um ponto quente no lado oculto da Lua

Leituras de naves chinesas apontam para uma grande placa de granito que se solidificou a partir de magma nos canais geológicos do satélite

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Kenneth Chang
The New York Times

As rochas sob um antigo vulcão no lado oculto da Lua permanecem surpreendentemente quentes, revelaram cientistas, usando dados de naves espaciais chinesas em órbita.

Os dados apontam para uma grande placa de granito que se solidificou a partir de magma nos canais geológicos debaixo do que é conhecido como o Complexo Vulcânico Compton-Belkovich.

"Eu diria que estamos confirmando que este é realmente um elemento vulcânico", disse Matthew Siegler, cientista do Instituto de Ciência Planetária, com sede em Tucson, Arizona, que chefiou a pesquisa. "Mas o interessante é que é um elemento vulcânico de tipo muito próprio da Terra."

Publicadas no início deste mês na revista Nature, as descobertas ajudam a explicar o que aconteceu muito tempo atrás sob uma parte esdrúxula da Lua. O estudo também destaca o potencial científico de dados colhidos pelo programa espacial chinês e como pesquisadores nos Estados Unidos precisaram contornar obstáculos para utilizar esses dados.

Imagem de orbitador chinês mostra o local onde foi detectado o calor na região de Compton-Belkovich, que os cientistas acreditam ser de origem vulcânica
Imagem de orbitador chinês mostra o local onde foi detectado o calor na região de Compton-Belkovich, que os cientistas acreditam ser de origem vulcânica - Nasa/GSFC/Arizona State University via NYT

Para este estudo, Siegler e seus colegas analisaram dados de instrumentos de microondas na Chang’e-1, lançada em 2007, e Chang’e-2, lançada em 2010, duas naves chinesas iniciais que não estão mais em operação. Como o Congresso proíbe no momento qualquer colaboração direta entre a Nasa e a China e como a pesquisa foi financiada pela Nasa, Siegler não pôde trabalhar com cientistas e engenheiros que colheram os dados.

"Foi uma limitação. Não pudemos simplesmente ligar para os engenheiros que construíram o instrumento na China e perguntar ‘ei, como devemos interpretar estes dados?’", ele disse. "Teria sido ótimo se pudéssemos ter trabalhado em cima disso com os cientistas chineses o tempo todo. Mas não é permitido. Por sorte os chineses abriram alguns de seus bancos de dados ao público."

Siegler pôde recorrer aos conhecimentos de um cientista chinês, Jianqing Feng, que ele conhecera numa conferência. Feng estava trabalhando em um projeto de exploração lunar na Academia Chinesa de Ciências.

"Percebi que combinar os dados de exploração lunar de diferentes países aprofundaria nosso entendimento da geologia lunar e possibilitaria descobertas instigantes", disse Feng em email. "Por isso deixei meu emprego na China, me mudei para os Estados Unidos e entrei para o Instituto de Ciência Planetária."

Ambos os orbitadores chineses tinham instrumentos de microondas, que são comuns em muitos satélites meteorológicos que orbitam a Terra, mas raros em naves espaciais interplanetárias.

Assim, os dados do Chang’e-1 e Chang’e-2 abriram uma visão diferente da Lua, medindo o fluxo de calor até 4,5 metros sob a superfície —e se mostraram ideais para a investigação da anormalidade de Compton-Belkovich.

Visualmente falando, a região não parece excepcional. (Ela sequer tem um nome próprio; a designação pela qual é conhecida é derivada de duas crateras de impacto adjacentes, Compton e Belkovich.) Mesmo assim, ela fascina cientistas há mais de duas décadas.

No final dos anos 1990, David Lawrence, então cientista no Laboratório Nacional de Los Alamos, estava trabalhando com dados colhidos pela missão Prospector Lunar da Nasa e notou um ponto iluminado de raios gama vindos desse local no lado oculto da Lua. A energia dos raios gama, a forma de luz que possui a energia mais alta, correspondia a tório, um elemento radiativo.

"Era um daqueles lugares incomuns que se destaca tremendamente pela abundância de tório", disse Lawrence, hoje cientista planetário no Laboratório Johns Hopkins de Física Aplicada, em Maryland. "Sou físico. Não sou especialista em geologia lunar. Mas, mesmo como físico, vi que isso era fora do comum e pensei ‘ok, isto é algo que merece ser mais estudado’."

As revelações seguintes vieram após a chegada do Orbitador de Reconhecimento Lunar da Nasa em 2009. Brad Jolliff, professor de estudos da Terra e planetários na Universidade Washington de St. Louis, liderou uma equipe que examinou as imagens de alta resolução de Compton-Belkovich.

O que eles viram "se parecia muito com uma caldeia vulcânica", disse Jolliff, aludindo aos restos da borda de um vulcão. "Considerando que esses elementos têm bilhões de anos de idade, estão surpreendentemente bem preservados."

Uma análise mais recente liderada por Katherine Shirley, hoje da Universidade Oxford, na Inglaterra, estimou a idade do vulcão em 3,5 bilhões de anos.

Pelo fato de o solo lunar atuar como bom isolante térmico, reduzindo as variações de temperatura entre dia e noite, as emissões de microondas refletem em grande medida o fluxo de calor vindo do interior da Lua. "Basta descer dois metros abaixo da superfície para parar de ver o calor vindo do Sol", disse Siegler.

No Complexo Compton-Belkovich, o fluxo de calor alcançara 180 miliwatts por metro quadrado —cerca de 20 vezes a média dos planaltos do lado oculto da Lua. Essa medida corresponde a uma temperatura de 23 graus centígrados negativos 1,80 metro abaixo da superfície —cerca de 32 graus mais quente que em qualquer outro ponto.

"Esse ponto se destacava, era muito quente comparado com qualquer outro lugar da Lua", disse Siegler.

Para produzir tanto calor e os raios gama de tório, Siegler, Feng e os outros cientistas concluíram que a fonte mais provável era granito, que contém elementos radiativos como tório e que devia haver muito.

O granito parece ser escasso em outras áreas do sistema solar. Na Terra, o granito se forma em regiões vulcânicas onde a crosta oceânica é empurrada para debaixo de um continente pela tectônica de placas, as forças geológicas que empurram pedaços da crosta externa da Terra. A água também é um ingrediente chave para a formação de granito.

Mas a Lua é quase inteiramente seca e não possui tectônica de placas. As amostras de rochas lunares trazidas por astronautas da Nasa mais de 50 anos atrás continham apenas alguns grãos de granito. No entanto, os dados dos orbitadores chineses sugerem uma formação de granito de mais de 50 quilômetros de largura abaixo de Compton-Belkovich.

"Agora precisamos que os geólogos calculem como se pode produzir esse tipo de elemento na Lua sem água e sem tectônica de placas", disse Siegler.

Tradução de Clara Allain

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