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Dama de Marfim sepultada na Espanha revela o papel de liderança de mulheres na antiguidade

Pesquisadores acreditam que ela combinava poder político e religioso em um período entre 2800 e 2900 a.C.

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Will Dunham
Reuters

Quando arqueólogos descobriram uma tumba megalítica na Espanha, datada de quase 5.000 anos e contendo artigos luxuosos como um punhal feito de cristal de rocha, casca de um ovo de avestruz e uma presa de elefante africano, perceberam que a pessoa enterrada ali era uma figura poderosa. O que eles não sabiam é que se tratava de uma mulher.

Pesquisadores divulgaram na última quinta-feira (6) que a análise do esmalte dos dentes mostrou que o corpo sepultado no local perto de Sevilha não era de um homem, como se pensava anteriormente. A descoberta indica o papel de liderança que as mulheres desempenhavam nessa sociedade antiga, anterior às pirâmides do Egito, e talvez em outros lugares.

Recriação artística da chamada Dama de Marfim, cuja tumba foi encontrada perto de Sevilha, na Espanha - Miriam Lucianez Trivino via Reuters

Ela foi apelidada de Dama de Marfim por causa dos objetos de marfim finamente trabalhados que a cercam na sepultura e pelo fato de uma presa de elefante inteira ter sido colocada acima de sua cabeça durante o enterro, como se a protegesse, na tumba datada entre 2800 e 2900 a.C. O túmulo, escavado em 2008, era mais impressionante do que qualquer outro dessa época na Península Ibérica.

"Ela se destaca como a pessoa mais importante que viveu naquele período, nesta região", disse o professor de pré-história da Universidade de Sevilha, Leonardo García Sanjuán, um dos autores da pesquisa publicada na revista Nature.

Embora os pesquisadores não saibam exatamente quem ela era ou que papel social desempenhava, suspeitam que ela combinava poder político e religioso e talvez fosse considerada a fundadora de um clã importante. Nenhum homem de posição semelhante foi encontrado no local.

Localizada nas proximidades, havia uma tumba igualmente luxuosa contendo os corpos de pelo menos 15 mulheres –construída, segundo se acredita, por pessoas que seriam descendentes da "Dama de Marfim".

"O terceiro milênio a.C. é uma época de grandes transformações. Na Mesopotâmia e no Egito, os primeiros séculos do terceiro milênio correspondem às primeiras sociedades dinásticas. Nas Ilhas Britânicas, é a época de pico de Stonehenge, um importante monumento e santuário megalítico", disse García Sanjuán.

"Na Península Ibérica, é um momento de maior complexidade social, com intensificação da produção, maior disponibilidade de excedentes, crescente conectividade inter-regional e aumento da desigualdade social e da hierarquia política. A Dama de Marfim reflete todos esses elementos", acrescentou.

Nesse período, houve na Península Ibérica sociedades complexas, mas que antecederam a formação de entidades políticas como estados.

Objetos encontrados na sepultura da Dama de Marfim, na Espanha - Miriam Lucianez Trivino via Reuters

"Esse estudo lança uma nova luz sobre um problema do qual sabemos muito pouco: o papel social e político das mulheres nas primeiras sociedades pré-estatais complexas", disse García Sanjuán.

A Dama de Marfim mostra que as mulheres podem ter ocupado altos cargos de liderança durante a Idade do Cobre, um período de transição entre a Idade da Pedra e a Idade do Bronze, mais sofisticada tecnologicamente.

"A complexidade política das sociedades pré-estatais geralmente está associada a conceitos como 'grande homem' ou 'chefe', que explicam o surgimento de formas iniciais de liderança", disse a coautora do estudo Miriam Luciañez-Triviño, pesquisadora do Departamento de Pré-História e Arqueologia da Universidade de Sevilha.

"Na literatura etnográfica, esses líderes são majoritariamente homens. No entanto, nosso estudo fornece dados que podem ajudar a rever as interpretações da pré-história peninsular e europeia, mostrando que ainda sabemos pouco sobre o papel das mulheres nos cargos de poder durante esse período", acrescentou.

O estado fragmentário do esqueleto sepultado tornou difícil determinar o gênero. Certas características levaram a uma conclusão anterior de que a pessoa era "provavelmente do sexo masculino". Os pesquisadores resolveram o mistério analisando um molar e um incisivo –detectando a presença de um gene que regula uma certa proteína formadora do esmalte para revelar que era uma mulher.

"Uma das chaves para o progresso da arqueologia pré-histórica é o uso de todos os novos métodos analíticos disponíveis", disse Luciañez-Triviño.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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