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Rússia

Fracasso da Luna-25 evidencia decadência do programa espacial russo

Nível de competência e inovação requerido para fazer missões de espaço profundo não existe mais

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São Paulo

Diante do constrangedor fracasso da missão Luna-25, é difícil não pensar que se trata de um emblema da consolidação da Rússia como ex-potência espacial. É verdade que o país ainda detém uma indústria capaz de produzir lançadores e satélites, mas claramente o nível de competência e inovação requerido para fazer missões de espaço profundo não existe mais.

Essa foi a terceira tentativa do país de lançar uma missão interplanetária desde o colapso da União Soviética. Em 1996, tentaram levar ao espaço um ambicioso conjunto de orbitador, dois módulos de pouso e dois penetradores de superfície com destino a Marte. Mas a missão Mars 96 nunca chegou sequer a entrar em órbita, por uma falha do lançador Proton que a levaria ao espaço.

Lançamento do foguete Soyuz na base espacial de Vostochni, no extremo leste da Rússia - Roscosmos/Vostochny Space Centre/Handout via Reuters

A falta de recursos que marcou o programa russo após a queda da URSS impediria o país de se recuperar rapidamente da falha. Uma nova tentativa de lançar um artefato a Marte só viria novamente em 2011, com a missão Fobos-Grunt. Mais uma vez, uma missão ambiciosa, que tinha por objetivo colher amostras da maior das luas marcianas, Fobos, e trazê-los de volta à Terra. E, de novo, por uma falha do lançador (desta vez o Zenit), a espaçonave não passaria da órbita terrestre baixa.

O que nos traz à terceira tentativa de lançar sozinha uma missão espacial: a Luna-25, com a numeração evocando os sucessos do programa soviético, tinha por objetivo realizar um pouso nas proximidades do polo sul lunar e operar por lá durante um ano. Era o primeiro esforço russo de retorno à Lua desde 1976, quando partira a Luna-24, que de forma bem-sucedida colheu amostras lunares e as trouxe de volta à Terra.

A nova iniciativa seria essencialmente tecnológica: demonstrar a capacidade de um novo módulo de pouso, que serviria de base para outras missões. Mas muitos, dentro e fora da Rússia, duvidavam do sucesso. Em 2015, quando começaram a circular informações mais concretas sobre os novos planos lunares, um pesquisador russo radicado no Brasil com quem conversei foi taxativo: "Eu não acho que a Rússia de Putin possa fazer nada de bom e não acredito que esses planos de exploração da Lua serão concretizados."

Oito anos depois, a Luna-25 foi lançada e se estabeleceu em órbita lunar –o que certamente poderia ser visto como progresso, contrastando com os resultados da Mars 96 e da Fobos-Grunt– e por alguns dias pareceu que os russos pudessem concluir a jornada com sucesso.

A perda da espaçonave ainda antes da tentativa de pouso, numa manobra de ajuste orbital destinada justamente a colocá-la na trajetória correta para a descida, é surpreendente e constrangedora. Por uma falha de natureza ainda desconhecida, o veículo simplesmente foi atirado na superfície lunar e destruído. Não há como descrever de outra maneira: o primeiro país a lançar uma missão à Lua perdeu essa capacidade.

Não está claro como o mais recente fracasso impacta nas planejadas missões Luna-26 e 27. O certo seria dobrar a aposta e, com isso, recuperar o prestígio perdido. Mas não será fácil. A erosão do programa espacial russo é notada até mesmo nos segmentos em que ele se manteve plenamente ativo, como no transporte de cosmonautas à Estação Espacial Internacional. Somam-se a isso a falta de recursos e a indisposição do Ocidente em forjar novos projetos em cooperação, após a invasão da Ucrânia, e temos um cenário declinante de difícil reversão.

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