Espécies da Terra diminuíram de tamanho e humanos podem ser responsáveis

Além dos diferentes possíveis impactos da ação humana, mudanças climáticas também podem estar envolvidas

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São Carlos (SP)

É como se grande parte dos animais e plantas da Terra tivesse sido atingida por um raio miniaturizador: dos anos 1960 para cá, milhares de espécies diminuíram de tamanho, indica um estudo feito por uma equipe internacional de pesquisadores. O efeito não é universal, mas há boas razões para acreditar que está ligado a diferentes impactos da ação humana, com consequências difíceis de prever sobre o funcionamento dos ecossistemas do planeta.

Detalhes da descoberta estão descritos num artigo da última edição do periódico especializado Science, um dos mais importantes do mundo. O estudo, que tem como primeira autora a cientista portuguesa Inês Martins, da Universidade de St. Andrews (Escócia), trabalhou com informações coletadas a respeito de 4.292 espécies, pertencentes a seis grupos diferentes de seres vivos: peixes, vegetais, invertebrados, mamíferos, herpetofauna (répteis e anfíbios) e organismos marinhos bentônicos (os que vivem no substrato do oceano, como corais, estrelas-do-mar etc.), com distribuição em diferentes regiões do globo.

A cabeça de um atum-rabilho de 212 kg é exposta em um restaurante em Tóquio (JAP); o estudo indica que a caça aos grandes animais acaba diminuindo o tamanho geral da espécie
A cabeça de um atum-rabilho de 212 kg é exposta em um restaurante em Tóquio (JAP); o estudo indica que a caça aos grandes animais acaba diminuindo o tamanho geral da espécie - Richard A. Brooks - 5.jan.23/AFP

Os mais bem representados da lista são os peixes, com quase 2.000 espécies monitoradas. Os períodos estudados também variam, com levantamentos que abrangem de 5 a quase 60 anos. Além de analisar o que aconteceu com o tamanho médio dos indivíduos de cada espécie, Martins e seus colegas também ficaram atentos aos efeitos sobre conjuntos de espécies que vivem no mesmo habitat.

"Podemos olhar para o efeito da substituição de espécies presentes e as alterações no tamanho médio do conjunto de espécies porque algumas desapareceram ou apareceram ao longo do tempo", explicou a pesquisadora portuguesa à Folha.

Esse aspecto é importante por causa da trama de interações entre as diferentes espécies. Em muitas áreas remanescentes da mata atlântica, por exemplo, praticamente não há mais onças-pintadas, o maior carnívoro brasileiro. Sem ter de competir com o grande felino, predadores de porte médio podem muito bem se multiplicar e até ficar maiores com a abundância de recursos.

Esse seria um efeito indireto da ação humana sobre o tamanho de determinadas espécies. Há também efeitos mais diretos. No caso da caça e da pesca, por exemplo, sabemos que é comum a captura dos indivíduos de maior porte, já que esses podem servir de fonte mais abundante de carne ou outros recursos (como o marfim dos elefantes).

Intervenções humanas como essa tendem a fazer com que o tamanho médio da espécie caçada ou pescada diminua com o tempo. E isso não só porque os indivíduos com tendência natural a crescer menos ganham uma chance maior de ter filhotes (os quais, por sua vez, também tenderão a ter porte mais modesto). Há também o fato de que a pressão da captura acaba favorecendo os indivíduos que conseguirem se reproduzir mais cedo, gastando menos tempo para crescer antes de chegar à maturidade reprodutiva, o que também diminui o tamanho médio da população.

Esses e outros fatores, como o impacto das mudanças climáticas, provavelmente ajudam a explicar os resultados do levantamento feito para o estudo na Science. Dois terços dos conjuntos de espécies analisados revelaram uma diminuição do tamanho médio dos indivíduos. Em quase 60% dos casos, também há uma diminuição geral do tamanho dentro de cada espécie.

Mas também são comuns as situações nas quais a "miniaturização" se explica pela mudança de composição dos grupos de espécies —ou seja, sumiram as espécies de maior porte e ficaram as mais modestas, o que produz um tamanho médio menor para todos. Seria o caso de florestas que perdem suas onças-pintadas e ficam só com jaguatiricas e gatos-do-mato, por exemplo.

A situação dos peixes é a mais clara de todos os grupos, enquanto há mais variabilidade dos efeitos (diminuição de tamanho, aumento ou estabilidade) nos outros grupos de organismo.

"Devido a outros trabalhos, a gente sabe que as forças de seleção que atuam no tamanho do corpo dos organismos variam no espaço e no tempo", explica a pesquisadora portuguesa. "No caso dos peixes marinhos, essas mudanças estão frequentemente ligadas à exploração seletiva de indivíduos de grande porte pelos seres humanos, ao aquecimento e/ou à diminuição da disponibilidade de recursos. Ainda estamos pesquisando os fatores que impulsionam a mudança, mas é provável que uma combinação desses fatores resulte na alta variabilidade nas tendências de mudança e na prevalência de diminuições de tamanho que observamos em nosso estudo."

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