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Encontradas pela primeira vez moléculas orgânicas complexas no gelo de estrelas nascentes

Etanol e mais dois compostos na fase sólida foram identificados pelo telescópio James Webb

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Marcos Pivetta
Revista Pesquisa Fapesp

Moléculas orgânicas complexas consideradas ingredientes das reações químicas que podem levar ao surgimento da vida foram identificadas pela primeira vez em gelos em torno de duas estrelas nascentes.

Esse tipo de composto, formado por pelo menos seis átomos que incluem carbono, oxigênio e hidrogênio, já tinha sido encontrado no estado gasoso em outras protoestrelas, que estão nos primórdios de sua formação e ainda não têm planetas ao seu redor. Sua detecção como um sólido havia sido prevista por experimentos em laboratório, mas nunca fora obtida de forma inequívoca por meio de observações astronômicas.

Agora, segundo artigo publicado em março na revista Astronomy & Astrophysics, a assinatura química de pelo menos três moléculas orgânicas complexas foi observada, sem margem de dúvida, nas estrelas IRAS 2A e IRAS 23385. A primeira dista 975 anos-luz da Terra e a segunda 16 mil anos-luz.

Um brilho central sugere uma região de particular intensidade, cercado por texturas que lembram chamas dançantes em tons de laranja e vermelho
Imagem em infravermelho obtida pelo telescópio James Webb de região próxima à protoestrela IRAS 23385 - NASA, ESA, CSA, W.R.M. Rocha / Leiden

A molécula mais famosa identificada foi o etanol (CH3CH2OH), o álcool etílico presente na cerveja, vinho e em outras bebidas.

Outra razoavelmente conhecida foi o acetaldeído (CH3CHO), um dos agentes responsáveis pela sensação de ressaca depois de beber em excesso.

O terceiro composto identificado é menos familiar: o metanoato de metila (CH3OCHO), que pode ser usado como solvente do acetato de celulose e inseticida. Com um grau de certeza menor, também foi registrado no gelo interestelar indício de ácido acético (CH3COOH), principal ingrediente do vinagre.

"O artigo mostra que moléculas orgânicas complexas podem se formar no gelo em torno das protoestrelas. Vários trabalhos de laboratório sugeriam que isso era possível, mas não havia nenhuma observação que comprovasse essa ideia", explica o astrofísico brasileiro Will Rocha, primeiro autor do trabalho, que faz pós-doutorado na Universidade de Leiden, nos Países Baixos. "Por estarem presentes no gelo, essas moléculas teriam menor chance de serem destruídas pela radiação e poderiam sobreviver ao processo de evolução de uma protoestrela." Dessa forma, em tese, poderiam ser inseridas em planetas em formação e servir de matéria-prima para a formação de moléculas necessárias para o surgimento de vida, como os aminoácidos.

O registro foi obtido com um dos espectrógrafos a bordo do telescópio espacial James Webb, projeto das agências espaciais norte-americana (Nasa), europeia (Esa) e canadense (CSA). Esse tipo de instrumento dispersa a luz proveniente de um objeto astrofísico e permite, entre outros parâmetros, inferir sua composição química.

Para o astrofísico Sergio Pilling, coordenador do Laboratório de Astroquímica e Astrobiologia da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), o trabalho reforça a hipótese de que certa química orgânica complexa ocorre em grãos gelados antes de serem incorporados às fases gasosas ou até mesmo aos corpos planetários.

"Compreender a abundância e a distribuição dessas moléculas no espaço pode fornecer insights sobre a habitabilidade potencial de outros planetas", comenta Pilling, que não participou da equipe responsável pelo estudo. Uma das estrelas nascentes, a IRAS 2A, se parece com o Sol no início de sua existência e pode ser útil para entender sua origem.

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