Voos espaciais causam alterações no cérebro, no coração e em níveis de estresse

Novas pesquisas detalham mudanças no corpo humano; segundo pesquisadores, missões curtas não oferecem riscos à saúde

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Will Dunham
Reuters

Quando Hayley Arceneaux, que teve câncer, e um trio de tripulantes passaram três dias no espaço em 2021 como parte da missão Inspiration4 da SpaceX, eles fizeram história não apenas como a primeira equipe totalmente civil a orbitar a Terra. Eles forneceram os dados mais detalhados já registrados sobre os efeitos das viagens espaciais no corpo humano.

Novas pesquisas baseadas nesses dados detalham mudanças no cérebro, coração, músculos, rins e pele, regulação imunológica, níveis de estresse, uma quebra na atividade de mitocôndrias em meio ao ambiente de microgravidade, radiação aumentada e outros fatores no espaço.

Mais de 95% dos biomarcadores rastreados na pesquisa retornaram aos níveis pré-voo meses após a tripulação retornar à Terra, embora algumas anormalidades, incluindo nas mitocôndrias, tenham persistido, de acordo com os pesquisadores.

Hayley Arceneaux durante missão Inspiration4, da SpaceX, observa a Terra - Inspiration4 - 16.set.21/AFP

Os dados também indicaram que os voos espaciais, ao menos os de curta duração, não oferecem riscos significativos para a saúde.

"Não vimos nada preocupante, felizmente," disse Chris Mason, professor de fisiologia e biofísica da Weill Cornell Medicine em Nova York, que ajudou a liderar a pesquisa, com estudos publicados nesta terça-feira (11) na Nature e em outras revistas. "Isso é promissor para outros grupos de civis que planejam viver e trabalhar no espaço."

"Vimos algumas evidências de proteínas associadas ao cérebro no sangue após a missão, o que também vimos uma vez antes no estudo dos gêmeos [de 2019, baseado nos astronautas aposentados da Nasa Scott e Mark Kelly], e acreditamos que seja evidência de estresse cerebral durante a missão," acrescentou Mason.

O docente afirmou que isso pode ser explicado por descobertas em camundongos experimentais enviados ao espaço que tiveram interrupções na barreira hematoencefálica, uma camada de células que protege o cérebro. A função cognitiva da tripulação da Inspiration4, medida por Mathias Basner, da Universidade da Pensilvânia, não foi afetada.

Arceneaux, assistente médica no hospital pediátrico St. Jude Children (Memphis) e oficial médica da missão, e seus colegas de tripulação —o engenheiro de dados aeroespaciais Chris Sembroski, a geocientista Sian Proctor e o empresário bilionário Jared Isaacman— foram monitorados antes, durante e depois do voo. Eles passaram por extensos testes e forneceram amostras de sangue, saliva e outros materiais, incluindo biópsias de pele que deixaram uma marca duradoura.

"Eu amo minha cicatriz espacial", disse Arceneaux, que tinha 29 anos na época e se tornou a americana mais jovem a orbitar a Terra, acrescentando que a tripulação "queria causar um impacto científico".

A pesquisa abrangeu dados da tripulação da Inspiration4 e de 64 astronautas que participaram de missões mais longas a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS) e de outras missões. A Inspiration4 voou a cerca de 590 km acima da Terra, mais alto do que a ISS (a 400 km), o que significa que a tripulação enfrentou níveis mais altos de radiação.

"Até agora, as mulheres parecem retornar ao estado basal (estado pré-voo) mais rapidamente do que os homens, porém nossos números são pequenos para que isso seja definitivo", disse Mason.

O início de uma segunda era espacial, caracterizada por missões comerciais, aumentou a urgência de entender os riscos à saúde, na avaliação do bioinformático Afshin Beheshti do Instituto de Ciência Blue Marble Space em Seattle, outro líder da pesquisa.

A quantidade de tempo passado no espaço é considerada um fator-chave nos efeitos à saúde, com maior preocupação em missões de longa duração.

"Quanto maior a duração no espaço, maior o aumento nos riscos à saúde observados", disse Beheshti.

Beheshti afirmou que os dados da Inspiration4 e da agência espacial do Japão, juntamente com experimentos baseados na Terra, detalharam o impacto significativo dos voos espaciais na função mitocondrial e na regulação imunológica.

"Publicações anteriores abordaram essas questões, mas os novos achados indicam que a microgravidade e a radiação espacial afetam sistematicamente o corpo, levando a disfunções no nível celular que afetam múltiplos órgãos, incluindo músculos, rins, coração, pele e tecidos relacionados ao sistema nervoso central", disse o pesquisador.

"A resposta sistêmica observada nos voos espaciais tem sido mostrada como contribuinte para o aumento da fragilidade em humanos. Sabe-se que o espaço acelera o envelhecimento e muitas doenças humanas, e a pesquisa destaca isso ao identificar riscos à saúde que podem ser alvo de contramedidas", acrescentou o bioinformático.

A pesquisa apontou caminhos potenciais para mitigar os danos causados pela radiação espacial. Descobriu-se que certas moléculas envolvidas na regulação da atividade gênica foram inibidas no espaço.

"Essa pesquisa demonstra que direcionar esses fatores-chave pode resgatar as vias imunológicas e inflamatórias desreguladas no espaço", disse Beheshti.

Os pesquisadores estão adotando uma abordagem proativa.

"Se os humanos vão viver e trabalhar no espaço, ou viver na Lua e em Marte, precisamos estabelecer uma linha de base de métricas para entender como o corpo responde ao espaço", disse Mason.

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