Quando Hayley Arceneaux, que teve câncer, e um trio de tripulantes passaram três dias no espaço em 2021 como parte da missão Inspiration4 da SpaceX, eles fizeram história não apenas como a primeira equipe totalmente civil a orbitar a Terra. Eles forneceram os dados mais detalhados já registrados sobre os efeitos das viagens espaciais no corpo humano.
Novas pesquisas baseadas nesses dados detalham mudanças no cérebro, coração, músculos, rins e pele, regulação imunológica, níveis de estresse, uma quebra na atividade de mitocôndrias em meio ao ambiente de microgravidade, radiação aumentada e outros fatores no espaço.
Mais de 95% dos biomarcadores rastreados na pesquisa retornaram aos níveis pré-voo meses após a tripulação retornar à Terra, embora algumas anormalidades, incluindo nas mitocôndrias, tenham persistido, de acordo com os pesquisadores.
Os dados também indicaram que os voos espaciais, ao menos os de curta duração, não oferecem riscos significativos para a saúde.
"Não vimos nada preocupante, felizmente," disse Chris Mason, professor de fisiologia e biofísica da Weill Cornell Medicine em Nova York, que ajudou a liderar a pesquisa, com estudos publicados nesta terça-feira (11) na Nature e em outras revistas. "Isso é promissor para outros grupos de civis que planejam viver e trabalhar no espaço."
"Vimos algumas evidências de proteínas associadas ao cérebro no sangue após a missão, o que também vimos uma vez antes no estudo dos gêmeos [de 2019, baseado nos astronautas aposentados da Nasa Scott e Mark Kelly], e acreditamos que seja evidência de estresse cerebral durante a missão," acrescentou Mason.
O docente afirmou que isso pode ser explicado por descobertas em camundongos experimentais enviados ao espaço que tiveram interrupções na barreira hematoencefálica, uma camada de células que protege o cérebro. A função cognitiva da tripulação da Inspiration4, medida por Mathias Basner, da Universidade da Pensilvânia, não foi afetada.
Arceneaux, assistente médica no hospital pediátrico St. Jude Children (Memphis) e oficial médica da missão, e seus colegas de tripulação —o engenheiro de dados aeroespaciais Chris Sembroski, a geocientista Sian Proctor e o empresário bilionário Jared Isaacman— foram monitorados antes, durante e depois do voo. Eles passaram por extensos testes e forneceram amostras de sangue, saliva e outros materiais, incluindo biópsias de pele que deixaram uma marca duradoura.
"Eu amo minha cicatriz espacial", disse Arceneaux, que tinha 29 anos na época e se tornou a americana mais jovem a orbitar a Terra, acrescentando que a tripulação "queria causar um impacto científico".
A pesquisa abrangeu dados da tripulação da Inspiration4 e de 64 astronautas que participaram de missões mais longas a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS) e de outras missões. A Inspiration4 voou a cerca de 590 km acima da Terra, mais alto do que a ISS (a 400 km), o que significa que a tripulação enfrentou níveis mais altos de radiação.
"Até agora, as mulheres parecem retornar ao estado basal (estado pré-voo) mais rapidamente do que os homens, porém nossos números são pequenos para que isso seja definitivo", disse Mason.
O início de uma segunda era espacial, caracterizada por missões comerciais, aumentou a urgência de entender os riscos à saúde, na avaliação do bioinformático Afshin Beheshti do Instituto de Ciência Blue Marble Space em Seattle, outro líder da pesquisa.
A quantidade de tempo passado no espaço é considerada um fator-chave nos efeitos à saúde, com maior preocupação em missões de longa duração.
"Quanto maior a duração no espaço, maior o aumento nos riscos à saúde observados", disse Beheshti.
Beheshti afirmou que os dados da Inspiration4 e da agência espacial do Japão, juntamente com experimentos baseados na Terra, detalharam o impacto significativo dos voos espaciais na função mitocondrial e na regulação imunológica.
"Publicações anteriores abordaram essas questões, mas os novos achados indicam que a microgravidade e a radiação espacial afetam sistematicamente o corpo, levando a disfunções no nível celular que afetam múltiplos órgãos, incluindo músculos, rins, coração, pele e tecidos relacionados ao sistema nervoso central", disse o pesquisador.
"A resposta sistêmica observada nos voos espaciais tem sido mostrada como contribuinte para o aumento da fragilidade em humanos. Sabe-se que o espaço acelera o envelhecimento e muitas doenças humanas, e a pesquisa destaca isso ao identificar riscos à saúde que podem ser alvo de contramedidas", acrescentou o bioinformático.
A pesquisa apontou caminhos potenciais para mitigar os danos causados pela radiação espacial. Descobriu-se que certas moléculas envolvidas na regulação da atividade gênica foram inibidas no espaço.
"Essa pesquisa demonstra que direcionar esses fatores-chave pode resgatar as vias imunológicas e inflamatórias desreguladas no espaço", disse Beheshti.
Os pesquisadores estão adotando uma abordagem proativa.
"Se os humanos vão viver e trabalhar no espaço, ou viver na Lua e em Marte, precisamos estabelecer uma linha de base de métricas para entender como o corpo responde ao espaço", disse Mason.
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