Descrição de chapéu The New York Times

Não precisamos de linguagem para pensar, sugerem neurocientistas

Grupo de pesquisadores argumenta que palavras são sobretudo para se comunicar, não para raciocinar

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Carl Zimmer
The New York Times

Por milhares de anos, filósofos discutiram sobre o propósito da linguagem. Platão acreditava que ela era essencial para a reflexão. O pensamento "é uma conversa interna silenciosa da alma consigo mesma", ele escreveu.

Muitos estudiosos modernos avançaram em visões semelhantes. A partir da década de 1960, o filósofo e linguista Noam Chomsky argumentou que usamos a linguagem para raciocinar e outras formas de pensamento. "Se houver um déficit grave de linguagem, haverá um déficit grave de pensamento", ele escreveu.

Então estudante universitária, Evelina Fedorenko fez o curso de Chomsky e o ouviu descrever sua teoria. "Eu gostei da ideia", ela lembrou. Ficou intrigada, porém, com a falta de evidências. "Muitas coisas que ele estava dizendo eram afirmadas como se fossem fatos, a verdade."

Cópia da escultura 'O Pensador', do frânces Auguste Rodin (1840-1917), em Paris - Alain Jocard - 28.jun.22/AFP

Fedorenko, que virou neurocientista cognitiva no MIT, passou a recorrer a escaneamento cerebral para investigar como o cérebro produz a linguagem. E, após 15 anos, sua pesquisa a levou a uma conclusão surpreendente: não precisamos de linguagem para pensar.

"Quando você começa a avaliar isso, simplesmente não encontra suporte para esse papel da linguagem no pensamento", disse ela.

Na época em que a neurocientista começou esse trabalho, em 2009, estudos haviam descoberto que as mesmas regiões cerebrais necessárias para a linguagem também estavam ativas quando as pessoas raciocinavam ou faziam cálculos.

Mas Fedorenko e outros pesquisadores descobriram que essa sobreposição era uma miragem. Parte do problema com os resultados iniciais era que os scanners utilizados eram relativamente rudimentares. Os cientistas aproveitaram ao máximo suas imagens imprecisas combinando os resultados de todos os voluntários, criando uma média geral da atividade cerebral.

Em sua própria pesquisa, Fedorenko adotou scanners mais poderosos e fez mais testes em cada voluntário. Esses passos permitiram que ela e seus colegas reunissem dados suficientes de cada pessoa para criar uma imagem detalhada do cérebro de um indivíduo.

Os cientistas, então, fizeram estudos para identificar os circuitos cerebrais envolvidos em tarefas de linguagem, como recuperar palavras da memória e seguir regras de gramática. Em um experimento típico, os voluntários liam palavras sem sentido, seguidas por frases reais. Os cientistas identificaram certas regiões cerebrais que se tornavam ativas apenas quando os voluntários processavam linguagem real.

Cada voluntário tinha uma rede de linguagem —uma constelação de regiões que ficam ativas durante tarefas de linguagem. "É muito estável", disse Fedorenko. "Se eu te escanear hoje, e 10 ou 15 anos depois, estará no mesmo lugar."

É possível ter um texto gramatical muito fluente que pode ou não ter um pensamento subjacente coerente

Kyle Mahowald

linguista da Universidade do Texas em Austin

Os pesquisadores, então, escanearam as mesmas pessoas enquanto elas tinham diferentes tipos de pensamento —enquanto resolviam um quebra-cabeça, por exemplo.

"Outras regiões do cérebro trabalham muito quando você está fazendo todas essas formas de pensamento", disse ela. As redes de linguagem, entretanto, continuaram em silêncio. "Ficou claro que nenhuma dessas coisas parece envolver os circuitos de linguagem."

Em um artigo publicado no último dia 19 na Nature, Fedorenko e seus colegas argumentaram que estudos de pessoas com lesões cerebrais apontam para a mesma conclusão.

Derrames e outras formas de danos cerebrais podem eliminar a rede de linguagem, deixando as pessoas lutando para processar palavras e gramática, uma condição conhecida como afasia. Cientistas descobriram, contudo, que elas ainda podem solucionar questões de álgebra e jogar xadrez mesmo com afasia.

Em experimentos, pessoas com afasia podem olhar para dois números —123 e 321, por exemplo— e reconhecer que, usando o mesmo padrão, 456 deve ser seguido por 654.

Se a linguagem não é essencial para o pensamento, então para que serve?

Comunicação, argumentam Fedorenko e seus colegas.

Chomsky e outros pesquisadores rejeitaram essa ideia, apontando a ambiguidade das palavras e a dificuldade de expressar nossas intuições em voz alta. "O sistema não é bem projetado em muitos aspectos funcionais", disse o filósofo certa vez.

No entanto, grandes estudos sugeriram que as línguas foram otimizadas para transferir informações de forma clara e eficiente.

Em um estudo, pesquisadores descobriram que palavras frequentemente utilizadas são mais curtas, tornando as línguas mais fáceis de aprender e acelerando o fluxo de informações. Em outro, pesquisadores que investigaram 37 idiomas concluíram que as regras de gramática põem palavras próximas umas das outras para que seu significado combinado seja mais fácil ser entendido.

Kyle Mahowald, linguista da Universidade do Texas em Austin que não estava envolvido no novo trabalho, disse que separar o pensamento e a linguagem poderia ajudar a explicar por que os sistemas de inteligência artificial como o ChatGPT são tão bons em algumas tarefas e tão ruins em outras.

Os cientistas da computação treinam esses programas com vastas quantidades de texto, descobrindo regras sobre como as palavras estão conectadas. Mahowald suspeita que esses programas estão começando a imitar a rede de linguagem no cérebro humano, mas falhando no raciocínio.

"É possível ter um texto gramatical muito fluente que pode ou não ter um pensamento subjacente coerente", disse Mahowald.

Fedorenko observou que muitas pessoas acreditam intuitivamente que a linguagem é essencial para o pensamento porque têm uma voz interior narrando cada pensamento. Mas nem todos têm esse monólogo contínuo. E poucos estudos investigaram o fenômeno.

"Ainda não tenho um modelo para isso", disse ela. "Eu nem fiz o que precisaria fazer para especular dessa maneira."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.