Cida Bento

Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP

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'Camarotização' torna secundárias escolas de samba, protagonistas da festa

Elitização do Carnaval não é exclusividade da cidade de São Paulo

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Nasceu em São Paulo, em pleno período de Carnaval, um movimento de preservação da cultura das matrizes negro-africanas nas escolas de samba. Tem caráter multidisciplinar, foca gênero e classe e é uma resposta à declaração racista de um dirigente de escola de samba, banalizando o gesto do punho cerrado erguido, que caracteriza os protestos contra o racismo há décadas.

Esse movimento se materializa no Observatório Permanente e Multidisciplinar de Combate ao Racismo no Carnaval das Escolas de Samba Paulistanas, e seus membros, especialistas e sambistas entregaram à Liga das Escola de Samba de São Paulo uma carta de reivindicações.

O Observatório vai atuar em questões que envolvem as relações humanas e a educação sobre o patrimônio cultural afro-brasileiro dentro da gestão do Carnaval das escolas, incluindo formação e instrução de gestores, comunidades das agremiações e julgadores do concurso de Carnaval.

O documento destaca que "os detentores do poder e da gestão do Carnaval estão contribuindo para o apagamento da verdadeira história e da função social das escolas de samba como rede de sociabilidades, territórios onde negros e negras resistiram, enfrentando toda sorte de violências e perseguições para manter suas heranças negro-africanas e constituir organizações que por muito tempo foram criminalizadas e condenadas pela elite branca e racista".

Salientam o "embranquecimento" do Carnaval e o apagamento da história e das narrativas negras desse patrimônio cultural. No Carnaval de 2023, ficaram evidentes as consequências de um processo de dominação, que há muito tempo retira o protagonismo da população negra da festa no Sambódromo".

Exemplo disso é a "camarotização", que desrespeita o espetáculo dos sambistas e o investimento do público das arquibancadas, promovendo um apartheid em que grandes empresas oferecem shows e eventos de alto custo, durante a passagem das escolas de samba, tornando-as secundárias, quando na verdade são protagonistas da festa. A precarização da ocupação de empurrador de carros alegóricos também está incluída na pauta.

Aqui, vale lembrar ainda que esse processo de branqueamento e elitização do Carnaval não é exclusivo da cidade de São Paulo, o que pode inspirar iniciativas similares em outros estados. No Carnaval de Salvador, por exemplo, chama a atenção que os lugares "nobres" nos trios elétricos são quase 100% brancos. E que são negros e negras os cordeiros, pessoas responsáveis por segurar a corda nos blocos para separar quem pagou (quase 100% brancos), do restante dos foliões. Isso numa cidade em que mais de 80% da população é negra.

E, no Rio de Janeiro, como apontaram recentemente em suas redes sociais a cantora Tereza Cristina, o humorista Yuri Marçal e a escritora e atriz Elisa Lucinda, era de pessoas brancas a totalidade dos jurados do Carnaval deste ano. Indignada, Lucinda escreveu no Twitter: "Grandes conhecedores do Carnaval e estudiosos pensadores da cultura popular, gente preparada de verdade para ser júri dos desfiles e que são solenemente ignorados em favor daquele corpo branco de jurados...".

Ela também salienta: "A mesma tristeza toma meu peito quando vejo hoje o público do futebol no Maracanã. Definitivamente não parece a cara do povo brasileiro".

Enfim, aquele que é considerado "o maior espetáculo da terra", que nos emociona por sua grandeza, inventividade e beleza, que conta a história do país de maneira vibrante, envolvente e não raro crítica e que movimenta a economia do país como nenhum outro evento, tem também inúmeras contradições.

E temos de falar nelas para mudar esse cenário. E o Observatório pode ser um passo importante para começarmos um tempo em que a riqueza de nossa cultura em toda a sua multiplicidade seja reconhecida, onde sempre esteve.

Esta coluna foi escrita com Flavio Carrança, jornalista da Cojira (Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial) SP


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