Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

O medo está no ar

FRANKFURT - Não tenho, nunca tive, medo de voar. Não por especial desassombro mas por necessidade: para fazer as coberturas jornalísticas de que fui incumbido nos meus 52 anos de profissão, voar era quase tão comum quanto tomar café.

Agora, no entanto, sinto uma certa agonia ao me preparar para viajar nesta quarta, 11, de Frankfurt a Antalya, no Mediterrâneo turco, sede da reunião de cúpula do G20, o clubão das maiores economias do mundo.

Tudo devido ao acidente ou atentado contra o avião russo que faria a rota Sharm-el-Sheik (Egito)/São Petersburgo.

Se foi mesmo atentado, como tudo parece indicar, introduziu-se uma roleta russa (sem ironia) no ar. Até então, havia uma certa lógica em atentados, abomináveis todos eles: os alvos eram previsíveis, símbolos de alguma coisa que os fanáticos não toleram.

Com a derrubada do jato russo, se foi mesmo bomba, o recado é assustador: todos os que não somos fanáticos somos alvo. Russos, iranianos, norte-americanos, franceses, iranianos, turcos —- enfim todos os que combatem o Estado Islâmico ou ao menos não toleram.

Por falar em turcos e para aumentar minha agonia com esta viagem, a polícia turca prendeu mais de 20 pessoas, na semana passada, exatamente em Antalya, todos suspeitos de pertencer ao grupo islamista.

Se foram 20, dá para suspeitar que existe, na cidade a que me dirijo, uma célula ativa do EI, o que não seria propriamente uma surpresa: a Turquia, como talvez não tenhamos prestado atenção como turistas, faz fronteira com a Síria, onde o Estado Islâmico instalou-se com força.

Nesta terça-feira, 10, aliás, a polícia turca prendeu mais 18 suspeitas de recrutar combatentes para a Frente Al Nusra, franquia da Al Qaeda na Síria.

Ajuda a angústia o fato de saber que não há evento no mundo mais adequado para um atentado de extraordinária repercussão do que uma cúpula do G20. A ela comparecem de Barack Obama a Vladimir Putin, passando por Angela Merkel e Dilma Rousseff ou François Hollande e os governantes sauditas.

Não é à toa que a Turquia, escaldada por um atentado em Ancara, relativamente recente e que foi o maior de sua história, blindou Antalya: haverá quase um agente de segurança para cada participante da cúpula, jornalistas inclusive.

São 12 policiais/militares para 13 mil participantes.

O centro de imprensa, que será a minha residência a partir desta quarta-feira, é inacessível para quem não tenha a credencial expedida pelas autoridades turcas.

Para ir do aeroporto até o centro de mídia, os credenciados somos obrigados a usar ônibus da organização, que para num determinado ponto, longe do centro de convenções transformado em centro de imprensa.

Aí você desembarca, a bagagem é verificada e só então é permitido seguir adiante, até o hotel cujo centro de convenções abrigará o QG da mídia.

É um aborrecimento, mas seria tranquilizador pela segurança que oferece, não fosse, ainda, o tal voo russo: pelas escassas informações disponíveis, alguém no aeroporto de Sharm-el-Sheik burlou a segurança e plantou a bomba que destruiu o aparelho, se é que foi isso mesmo o que aconteceu.

Quem me garante que algum fanático com idêntica propensão não faça o mesmo no centro de imprensa, outro alvo de excelência, já que nele trabalharão 3.000 jornalistas, entre eles os das grifes mais lustrosas da mídia planetária, tipo "The New York Times", "Le Monde", CNN e por aí vai.

Há momentos em que a companhia de famosos incomoda. Esse é um deles.

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