Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Se favorito for eleito, México testará a sua democracia

Aceitará o empresariado o que López Obrador prometeu no palanque ou irá sabotá-lo?

Os mercados aceitarão um presidente heterodoxo?

Se Andrés Manuel López Obrador ganhar a eleição deste domingo (1º) no México, estará criado um desafio, para ele próprio mas também para a democracia.

Explico, por partes. Parte 1: uso o raciocínio do escritor chileno Fesal Chain, obviamente socialista, em artigo para o site Confidencial da Nicarágua. Ele escreve que fracassaram os modelos ditos socialistas de Cuba, Venezuela e Nicarágua (a grande crise do momento), tanto como projetos econômicos como na preservação dos direitos humanos.

O candidato mexicano Andrés Manuel López Obrador em comício no estádio Azteca, na Cidade do México, na quarta (27) - Alfredo Estrella/AFP

Por isso, fica evidente que “não pode haver nenhum socialismo como mecanismo de redistribuição e de justiça social sem democracia e sem pleno respeito aos direitos humanos”.

Como bom socialista chileno, Chain lembra que essa avaliação é antiga: “Já a havia feito e praticado Salvador Allende na década de 70 no Chile”.

De fato, pode-se criticar Allende por suas políticas, mas ele não fez nada que fosse ilegal ou violasse as liberdades públicas. Não obstante, Allende foi deposto por uma extrema direita raivosa e violenta, apoiada e financiada pelos EUA.

Parte 2, de volta ao México e à vitória que parece assegurada de AMLO, como López Obrador é mais conhecido: não há o menor sinal de que ele vá adotar políticas nem sequer remotamente parecidas com as de Cuba, Nicarágua ou Venezuela.

O que, sim, pode ocorrer é algum parentesco com o Chile de Allende, menos por eventuais estatizações, como no Chile, e mais pelo que Sergio Berensztein, analista político argentino, chama de “populismo estadocêntrico”, em La Nación.

Seria na prática um retorno ao modelo que o México seguiu desde os anos 1930, quando o presidente Lázaro Cárdenas nacionalizou o petróleo, até a crise da dívida dos anos 1980. A partir daí, o país foi um dos mais fieis seguidores do modelo liberal criado pelo chamado Consenso de Washington.

O problema é saber se os agentes de mercado e o empresariado mexicano, acostumados a esse modelo e refratários a AMLO, aceitarão esse tipo de “populismo estadocêntrico”. É claro que não há uma Guerra Fria como a que usou o fantasma do comunismo para conspirar contra Allende.

Mesmo assim, os agentes de mercado tendem hoje a não perdoar nem pequenos desvios da ortodoxia a que se habituaram. Durante a campanha, fizeram apelos públicos ou reservados para que os mexicanos não votassem por AMLO.

O que farão após a posse vai depender do que o presidente fizer, escreve Shannon O’Neil, especialista em América Latina do Council on Foreign Relations: “Ele poderá ser um pragmático em economia, mantendo-se fiel à promessa de não aumentar a dívida e os impostos. Mas ele também prometeu expandir bastante os benefícios para jovens e para idosos”.

Shannon acrescenta que “a grande interrogação envolve as instituições: ele se curvará aos freios e contrapesos do sistema político e da sociedade mexicana, e trabalhará por meio dos confusos compromissos que a democracia requer, ou trabalhará para minar quem se opõe a sua visão?”

Boa pergunta, Shannon, mas cabe fazê-la também ao empresariado: aceitarão que AMLO faça o que prometeu na campanha —o que é da essência da democracia— ou tratarão de sabotá-lo?

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