Érica Fraga

Repórter especial, ganhou o prêmio Esso em 2013. É mestre em política econômica internacional pela Universidade de Warwick (Inglaterra).

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Érica Fraga
Descrição de chapéu salário

Por que o Reino Unido vai obrigar empresas a revelarem salários desiguais por sexo

Pesquisas têm mostrado que a discriminação contra as mulheres prejudica a economia

Mulheres protestam em 8 de março na Espanha
Mulheres protestam em 8 de março na Espanha - Francisco Seco/AP

No fim da década de 70, menos de 5% dos músicos nas principais orquestras dos Estados Unidos eram mulheres. O claro e incômodo desequilíbrio, também evidente em outros países, desencadeou diversas mudanças na forma de contratação que culminaram nas “audições cegas”.

Os candidatos passaram a se apresentar atrás de uma tela que impossibilita ao júri perceber a identidade de quem está tocando.

Ao analisar uma vasta amostra dos processos seletivos antes e depois da mudança, as pesquisadoras Claudia Goldin e Cecilia Rouse concluíram que, escondidas, as mulheres aumentaram em 50% sua probabilidade de avançar nos estágios iniciais da seleção. 

Segundo as acadêmicas, as audições cegas foram responsáveis por 30% do aumento também significativo da presença feminina entre novos contratados.

Os selecionadores aumentaram sua propensão a contratar mulheres e elas passaram a se candidatar mais.

Publicado em 1997, o trabalho de Goldin e Rouse não poderia ser mais atual.

Novos estudos têm mostrado que a inserção desigual de homens e mulheres no mercado de trabalho gera um custo econômico significativo.

Em sua tese de dissertação defendida recentemente no Insper, o estatístico Rafael Ribeiro dos Santos revelou que a diferença salarial por gênero que não pode ser explicada por fatores como nível de escolaridade ou ocupação freia o crescimento dos municípios brasileiros.

A consultoria PwC acaba de divulgar um relatório que estima o ganho que a OCDE (conglomerado de países desenvolvidos e alguns emergentes) teria caso cada nação do grupo atingisse o mesmo nível de participação feminina no mercado de trabalho da Suécia, que se destaca em termos de maior igualdade. A conclusão é que, no longo prazo, o resultado seria um incremento do PIB (Produto Interno Bruto) superior a US$ 6 trilhões, um aumento de 12% em relação ao nível atual.

Não é difícil especular as causas dos efeitos econômicos negativos encontrados pelos pesquisadores. Se o talento não é um ativo exclusivo dos homens, quando as mulheres são preteridas para cargos importantes ou decidem sair do mercado, suas habilidades não estão sendo bem aproveitadas do ponto de vista do uso de capital humano.

Ah, mas as mulheres escolhem carreiras menos valorizadas, são menos agressivas na negociação de salários, optam por reduzir sua jornada ou preferem parar de trabalhar após o nascimento dos filhos.

Esses são normalmente os argumentos de quem acha que a inserção desigual das mulheres no mercado de trabalho é um aspecto imutável da realidade por ser resultado de traços também imutáveis da natureza feminina.

O problema é que já há muita evidência de que as coisas estão longe de serem tão simples assim.  

As mulheres hesitam mais do que os homens em negociar salários e benefícios? Sim, fato, segundo estudos como os das pesquisadoras Linda Babcock e Sara Laschever.

Mas o que acontece quando elas tentam? De acordo com as pesquisas de Hannah Riley Bowles, as mulheres tendem a ser mais penalizadas do que os homens quando adotam uma postura de negociação mais agressiva.

E o que explicaria isso? Discriminação pura e simples ou vieses do inconsciente difíceis de detectar? Provavelmente, uma combinação de ambos, cuja fórmula precisa parece à prova de mensuração.

Mas o reconhecimento de que essa combinação existe e pode afetar as decisões –tanto as das próprias mulheres quanto as dos responsáveis por contratá-las ou não, promovê-las ou não pode levar a mudanças significativas. O caso das orquestras continua sendo um ótimo exemplo disso.

Ainda que estejamos longe de conclusões definitivas, o fato de que o debate sobre esse tema tem se tornado cada vez mais aberto e transparente é auspicioso.

No Reino Unido, por exemplo, o noticiário das últimas semanas tem sido parcialmente dominado pela divulgação das –significativas diferenças salariais por gênero dentro das empresas. Por uma determinação legal, todas as companhias com mais de 250 funcionários que atuam no país precisarão publicar essa informação até o início de abril.

A medida é reflexo do reconhecimento de que a discriminação (ou viés inconsciente) cobra um preço social e econômico elevado. Representa uma tentativa importante de jogar mais luz sobre esse debate complexo e, quem sabe, identificar soluções para o fomento de maior igualdade de oportunidades.

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