Flávia Boggio

Roteirista. Escreve para programas e séries da Rede Globo.

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Flávia Boggio
Descrição de chapéu Todas desigualdade de gênero

Dia da mulher ter um dia de homem

No dia das mulheres, não nos deem flores, nos deem um dia típico de homem

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No Dia Internacional da Mulher, nós mulheres já aguardamos, um pouco indiferentes, receber flores, bombons, batons, vale-depilação e declarações como: "obrigado por fazer nossos dias melhores, guerreiras".

Embora a data tenha sido criada há mais de 60 anos, poucos sabem o motivo da celebração. Muito menos que a maioria das mulheres não quer ser presenteada com cartões e descontos em churrascaria, mas com igualdade salarial e de direitos. Além de liberdade para viver sem o risco de ser violentada e assassinada.

A verdade é que, desde a criação da data, pouca coisa mudou em relação à desigualdade de gêneros. Estamos quilômetros de distância atrás dos homens no jogo da vida.

Com pouquíssima expectativa de conquistar a tão sonhada equidade, muitas mulheres já pensam em um método mais eficiente. A única solução para termos os mesmos direitos dos homens é: nos tornarmos homens.

Por isso, o melhor presente que poderiam ter no Dia da Mulheres não são flores ou chocolates. É podermos passar um dia inteiro vivendo como um típico homem heterossexual. É o "Dia Internacional da Mulher Ter um Dia de Homem".

Mulher negra relaxada e feliz deitada num sofá
No Dia da Mulher ter um dia de Homem, a mulher com filhos terá um dia de pai; ela não será a primeira pessoa para quem a escola liga quando o filho fica doente - Davide Angelini/Adobe Stock

No Dia da Mulher ter um Dia de Homem, não vamos ganhar esmaltes, mas a autoestima masculina inexplicável. Poderemos andar sem camisa, com a bermuda do nosso time. Nos acharemos belíssimas com uma barriga de chope do tamanho de uma bola de pilates.

Vamos urinar de pé e molhar assentos de privada. Passaremos o dia perguntando onde estão as coisas, mesmo elas estando a dez centímetros na nossa frente.

No Dia da Mulher Ter um Dia de Homem, não queremos que os homens abram a porta do carro. Queremos discutir quantos cavalos ele corre.

Vamos ser consideradas solteiras cobiçadas após os trinta, não encalhadas e desesperadas.

Poderemos transar com qualquer pessoa e nos chamarão não de piranhas, mas de "garanhonas". Vamos trair namorado e marido, mas a culpa será do nosso amante, aquele destruidor de lares.

Viveremos a vida e a profissão intensamente, porque teremos homens cuidando da casa, dos filhos e até da nossa higiene pessoal.

Receberemos melhores salários e seremos mais respeitadas profissionalmente, mesmo realizando um trabalho medíocre. Se os homens reclamarem, criaremos o "Dia internacional do Homem" para presenteá-los com espuma de barbear e o cartão "obrigada por fazer nossos dias melhores, guerreiros".

No Dia da Mulher ter um dia de Homem, a mulher com filhos terá um dia de pai. Ela não será a primeira pessoa para quem a escola liga quando o filho fica doente.

Não precisaremos trabalhar 24 horas por dia, 7 dias por semana, cuidando de filhos, casa e marido, além de manter um emprego aos trancos e barrancos. Quando nossos maridos falarem de sobrecarga mental, diremos que somos nós que sustentamos a família.

As mulheres divorciadas visitarão os filhos em alguns finais de semana, dependendo da disposição. Poderão pagar uma pensão insignificante, alegando que, se der mais, o pai gastará o valor para fazer implante capilar.

Podem até sumir do mapa, sem serem julgadas. Para os pais o aborto em vida é legalizado

No Dia da Mulher Ter um Dia de Homem, não seremos consideradas propriedades ou objetos sexuais. Poderemos viajar, andar sozinhas e ficar em casa sem o risco de sermos estupradas e mortas. Quando morrermos, não escreverão chamadas no jornal dizendo que éramos drogadas, abortistas e sem filhos.

Vamos criar mecanismos para os homens acreditarem que são inferiores. Diremos que eles vieram da nossa costela e que o desejo de Deus é que o homem seja o servo da mulher. Muitos até defenderão a gente.

No Dia Internacional da Mulher Viver como Homem, vamos ter amigos para fazer churrasco, jogar futebol, falar de mulher e tirar onda. Não para conversar, desabafar e chorar, que é coisa de gente fraca.

Não faremos terapia, porque é demonstração de fraqueza. Nem iremos ao médico, porque o certo é morrer cedo. Não cuidaremos dos entes queridos em seu leito de morte.

Então terminaremos o dia detestando ser homens. Correremos para os braços das nossas amigas, nossa rede de apoio, para chorar. Porque desde pequenas, aprendemos a cuidar, ouvir e zelar. É isso que nos faz mulheres e assim queremos ser. Então "O Dia da Mulher ter um Dia de Homem" chega ao fim.

Essa coluna foi escrita a muitas mãos, com ajuda de amigas que formam minha rede de apoio.

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