Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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Gregorio Duvivier
Descrição de chapéu

Eu esqueço de lembrar do passado e tenho preguiça de pensar no futuro

Chego a pensar se Bolsonaro não teria ele mesmo marcado de fazer tudo o que não fez pra depois da pandemia

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Tem os desmemoriados, aqueles que se esqueceram do que aconteceu, e tem os desprevenidos, aqueles que esqueceram de pensar no que poderia acontecer. Pertenço a ambas as categorias, e por isso tenho a sorte de viver no presente: muito esquecido pra lembrar do passado, muito preguiçoso pra pensar no futuro.

Quanto mais uma coisa vai demorar pra acontecer, menos ela existe pra mim. Não consigo ver diferença entre algo que só vai acontecer em 2023 e algo que não vai acontecer nunca.

Isso gera outro fenômeno: quanto mais distante no futuro for um compromisso, mais tenho tendência a dizer que estarei lá, por mais insuportável que ele pareça. Topo participar de qualquer roubada, desde que aconteça depois de 2023.

Desenho mostra o chico buarque ao lado de uma bandeira abre-alas carnavalesca
Publicada em 31 de agosto de 2021 - Catarina Bessel

Podem me chamar pra palestrar num simpósio de constelação familiar em Aparecida, ou pra encenar a paixão de Cristo em Maringá: conte comigo. Estarei lá. Não conheço o Gregorio de 2023 e não tenho o menor carinho por ele. Não poderia me importar menos com a felicidade de alguém. Tanto que passo os dias ferrando a vida dele: com bacon, tabaco, cerveja, sorvete. Sou seu pior inimigo.

Quando 2023 chegar, vou amaldiçoar todas as suas gerações, e as minhas. Mas estarei lá, de camisa social, em Maringá —revoltado com esse sortilégio do futuro ter virado presente.

A pandemia adiou um monte de projetos pra “quando tudo voltar ao normal”. A frase que mais disse durante a pandemia foi “a gente se fala quando tudo isso passar”. Só que já percebemos que tudo isso não “vai passar”. Pelo menos, não feito um cometa, ou feito a carreta furacão, mas tipo a adolescência, anos depois do que deveria, deixando marcas indeléveis.

A luz no fim do túnel foi caminhando junto com a gente, como se viesse de uma lanterna presa no capô do carro. A pandemia vai terminar —se terminar— como a série “The Walking Dead”, quando ninguém mais estiver vendo, depois que já morreram os melhores personagens, em fade out.

Rezo todo dia pra que as pessoas não se lembrem de tudo o que a gente combinou pra depois do fim do túnel. Se todo o mundo lembrar, vai ser um festival de simpósio com batizado, de Paixão de Cristo com bar mitzvah. É preciso esquecer.

Chego a pensar se Bolsonaro não teria ele mesmo marcado de fazer tudo o que não fez pra depois da pandemia. Daí viria seu esforço desmedido pra atrasar a vacinação, criar novas variantes e prolongar esse túnel por um bom tempo. Como é reconfortante imaginar um caos que tivesse sido, ao menos, planejado.​

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