Helio Beltrão

Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.

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A guerra contra o dinheiro em espécie

Projeto em tramitação na Câmara exclui os desbancarizados ao limitar saques

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Na semana passada palestrei em audiência pública na Câmara dos Deputados sobre o projeto de lei número 7.877/17, que pretende limitar os saques de contas-correntes a no máximo R$ 58 mil. A medida tem como objetivo combater a criminalidade e a corrupção, mas se implementada, prejudicará em primeiro lugar o cidadão de menor renda.

Nada contra o crescente uso do dinheiro eletrônico e nada especificamente a favor do dinheiro em espécie, mas penso que os formadores de política pública melhor fariam se adotassem a doutrina fundamental que norteia a área da saúde: "não prejudicar". Dado um problema existente pode ser melhor não tomar determinada medida, ou mesmo não fazer nada, do que arriscar causar dano maior do que o benefício. Vejamos.

Em primeiro lugar, a proposta não combate a grave questão da lavagem de dinheiro ao limitar saques. Simplificadamente, a lavagem representa a operação inversa ao saque. Ou seja, se refere à conversão, por algum subterfúgio, de dinheiro em espécie (cédulas) em depósitos junto ao sistema bancário.

O setor financeiro brasileiro é moderno e robusto na identificação de clientes, registro de operações, notificações de operações suspeitas, e no filtro dos depósitos em espécie. São mais de R$ 20 bilhões anuais investidos em tecnologia, e a prevenção a crimes vem se sofisticando.

O dinheiro em contas-correntes, portanto, está sujeito continuamente a filtros de legalidade ("know your client" e "anti-money laundering", ou conheça seu cliente e antilavagem de dinheiro). É como se houvesse obtido um “selo de aprovação” pelo banco e reguladores.

O depositante que saca de sua conta-corrente opta por acessar seu dinheiro no formato mais conveniente e seguro: em espécie. Embora o estoque de dinheiro em contas equivalha ao de espécie, a maior parte da economia gira por transações em espécie. Na zona do euro, 75% das transações são em espécie.

Dinheiro em espécie é simples de usar, não exige energia elétrica, conexão, smartphone, e principalmente dispensa a burocracia bancária e suas tarifas. Representa uma competição ao setor bancário, uma desintermediação que inibe os bancos de cobrarem ainda mais caro. Vale lembrar que as transações com cartões podem custar até 5%, e mesmo as transações de débito têm custo alto.

No Brasil, há 34 milhões de desbancarizados, segundo o Instituto Locomotiva. São brasileiros que vivem fora de grandes e médios centros, concentrados nas classes D e E. Os desbancarizados podem possuir um carro ou terreno que pretendem vender. Ou um pequeno comércio que movimenta substancial caixa, ainda que com pouco lucro. Se o comprador não comparecer com dinheiro em espécie, o desbancarizado não recebe.

Bancos podem quebrar. No passado, milhões perderam suas poupanças de vida por quebra de bancos (há limites para o seguro do depositante). O sistema bancário como um todo, de reservas fracionárias, é instável por natureza. O dinheiro em espécie resolve a questão.

O dinheiro em espécie também propicia privacidade ao cidadão. Na zona do euro, a quantidade de dinheiro em espécie multiplicou por cinco desde sua introdução em 1992, e hoje está em € 1,5trilhão (R$ 9,26 trilhões, 30 vezes o estoque brasileiro). Não quintuplicou por conta de crime, mas pela demanda dos cidadãos, derivada de conveniência e privacidade, entre outros.

Em suma, a limitação ao acesso a seu próprio dinheiro é uma política de exclusão, em especial do pequeno. A presunção de culpa a priori a respeito do suado dinheiro do depositante é insensata e autoritária. Uma política de perseguição à privacidade financeira aumentará o poder dos bancos e do governo, ambos já exagerados. Também incentivará a busca por dólares e outros meios de troca, como as criptomoedas.

Proponentes da medida estão equivocados, e devem se perguntar se há realmente interesse público, considerando todos os efeitos.

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