Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Igor Gielow
Descrição de chapéu Copa do Mundo

Uma primavera russa durante a Copa

Ânimo despertado pela seleção pode conectar-se à insatisfação dos jovens com o governo

A surpreendente campanha da desacreditada Rússia na Copa do Mundo gerou uma explosão de entusiasmo pela seleção nacional em Moscou.

Ruas que já estavam coalhadas de russos e turistas em plena confraternização se viram pintadas de vermelho, branco e azul na noite desta terça (19).

Russos comemoram no metrô após vitória da seleção anfitriã contra o Egito
Russos comemoram no metrô após vitória da seleção anfitriã contra o Egito - Maxim Shemetov/Reuters

Gritos de "Rossia" ecoavam por estações de metrô usualmente sorumbáticas depois da meia-noite. Buzinaços adornavam os engarrafamentos usuais mesmo à noite. Algo está acontecendo na Rússia de Vladimir Putin.

Não estava no radar. O próprio presidente disse, em discurso na véspera da abertura, que não esperava nada do seu time, apenas da organização do Mundial. Putin é mestre da manipulação de sentimentos nacionais. A sabedoria convencional dirá que ele poderá capitalizar a boa fase russa (não faltará quem vai acusar a presença de malas pretas), mas os elementos na mesa turvam essa leitura.

Em menos de uma semana, a Copa fez mais para mexer com o cotidiano dos moradores das cidades-sede do que anos de atuação de ONGs estrangeiras, rotuladas por Putin como agentes fomentadoras da queda de regime.

Essa visão decorre do que o Kremlin considera papel central dessas entidades nas ditas revoluções coloridas, que derrubaram governos pró-Moscou na Ucrânia e na Geórgia no começo deste século. Assim como as várias edições da Primavera Árabe, elas soaram farsescas ao fim, mas como temor ocupam lugar de destaque no ideário putinista.

Internacionalista por vocação, a Copa de certa forma se contrapõe à visão de autonomia e isolacionismo esposada por Putin. "Eu nunca vi nada parecido. Os russos estão socializando com estranhos, algo que não é comum na nossa cultura", atesta Ievguênia Mikhailova, dona do descolado bar Untitled, no centro de Moscou.

A questão que fica é sobre esse ânimo inusual despertado pela seleção local.

Ele pode de certa forma conectar-se à latente insatisfação demonstrada por jovens em megaprotestos contra o Kremlin em 2017? Se sim, isso pode ser disruptivo no ambiente político ossificado da Rússia?

Ou, num sinal contrário mais condizente com a realidade de um país que deu 77% de seus votos a Putin em março, o "feel good factor" irá reforçar o plano de voo conservador do Kremlin?

Aposta por aposta, eu fico com a segunda opção. Mas a Copa nesse fim de primavera russa sempre traz suas zebras.

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