Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Brasil não precisa do petróleo da Foz do Amazonas

Há reservas para bancar descarbonização e investir na transição para economia que proteja Amazônia

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Às vésperas do Dia da Amazônia (5 de setembro), cabe perguntar se queremos celebrar a data de forma perene. Além do fogo e da fumaça, a Amazônia está ameaçada pela falta de clareza do Brasil em seu projeto de transição energética, que corre em paralelo ao discurso governamental de que o país precisa explorar petróleo na Foz do Amazonas. Precisa?

Já abordei na coluna passada as contradições internas que levam o governo, por exemplo, apenas nas duas últimas semanas, a assinar um inédito pacto entre os três Poderes para um Plano de Transformação Ecológica e uma Política Nacional de Transição Energética que tem no gás natural –uma fonte fóssil– sua grande vertente.

Esse desalinhamento, no caso da Foz do Amazonas, resultou na queda de braço entre representantes do Ibama e da Petrobras. Os riscos ambientais têm sido o principal foco do debate, dada a enorme biodiversidade da região, que abriga 70% dos manguezais do país e um sistema de recifes ainda pouco estudado. Mas temos de destacar também os graves riscos sociais associados, como a ocupação desordenada do território, a intensificação da criminalidade e a pressão sobre as áreas protegidas.

Mapa da bacia Foz do Amazonas
A bacia chamada Foz do Amazonas - /Folhapress

A exploração do bloco 59, poço localizado na costa do Amapá, pode agravar um contexto precário. O estado, em 2023, apresentou a maior taxa de mortes violentas intencionais, e a capital, Macapá, tem hoje o pior índice de transparência entre as demais do país. Oiapoque, o município mais próximo do poço em questão e que abriga inúmeras comunidades indígenas, é ponto crucial da rota do narcotráfico da região.

O argumento sobre a importância dos royalties do petróleo para a região não se sustenta quando analisamos o mau uso histórico desses recursos, que falham em gerar qualidade de vida para populações locais e trazem corrupção, violência e desigualdades.

E há ainda o risco reputacional, com uma eventual perda de capital político global que pode impactar as negociações de acordos bilaterais e multilaterais, fundamentais para a atração de investimentos privados verdes em escala.

As reservas nacionais provadas de petróleo garantem a produção até 2037 (fora as estimadas), enquanto a Associação Internacional de Energia (AIE) projeta o decréscimo da demanda global a partir de 2030.

A Petrobras prevê investir US$ 3 bilhões nos próximos cinco anos na Foz do Amazonas; a estimativa de investimentos futuros é de US$ 56 bilhões. São recursos que poderiam migrar para expandir, em vez do combustível fóssil, a produção de energia renovável –lembrando que, entre 2018 e 2022, os subsídios aos fósseis cresceram 124%, ante 52% para fontes renováveis.

Como justificar, para o Brasil e para o mundo, que o país-sede da COP na Amazônia seguirá nesse investimento de longo prazo com tantas incertezas e consequências sociais e ambientais negativas documentadas em uma das regiões mais vitais e vulneráveis do planeta?

Não se justifica. A resposta é não, o Brasil não precisa do petróleo da Foz do Amazonas.

Precisa, sim, deslanchar a transição ecológica –mostrando coerência com a decisão de não cruzar essa linha–, aproveitar os ganhos reputacionais da decisão acertada e alavancar recursos para um projeto econômico que abrace e proteja a nossa biodiversidade.

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