Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer
Descrição de chapéu aborto

Bancada tentou esconder PL antiaborto de sua base?

Mobilização progressista vence, pela primeira vez, disputa de narrativas sobre costumes

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É consistente o que dizem e pensam os evangélicos sobre o PL Antiaborto por Estupro (PL 1904), que equipara a pena do aborto após 22 semanas de gestação à de homicídio. Reuni suas perspectivas a seguir:

1. Ideologicamente eles são contra a legalização do aborto e muitos argumentam que há uma solução alternativa se a mulher grávida não quer a criança. Ela pode ter o filho e entregá-lo para adoção. Todos vivem.

2. Mas o estupro — assim como a pedofilia— é visto no campo popular, evangélico ou não, como crime hediondo, frequentemente punido com linchamento em comunidades e prisões. Portanto, é ultrajante para qualquer evangélico a ideia de que a mulher, que já é vítima do estuprador e que tenha engravidado nessas condições, seja condenada à prisão.

3. Evangélicos e evangélicas reconhecem o transtorno emocional que tem quem engravida como consequência de estupro. E se essa mulher decide abortar, deverá se acertar com Deus; não é para ela ser julgada pelos homens.

Coletei essas impressões diretamente e a partir de interlocutores. Elas representam uma aferição rápida da perspectiva do grupo mais numeroso e que mais cresce no campo protestante brasileiro: o de evangélicos pobres, periféricos, geralmente pentecostais. E essas respostas nos conduzem a fazer pelo menos uma pergunta nova.

Ato contra o PL Antiaborto por Estupro na avenida Paulista - Tuane Fernandes/Folhapress

É possível que os líderes da bancada evangélica, como o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que estão defendendo o projeto, tenham escondido o assunto de sua base?

Aborto é algo que mobiliza facilmente o campo evangélico. Mas a notícia não está circulando em grupos de WhatsApp cristãos nem sendo debatida em igrejas. Aqueles que ficaram sabendo do PL chegaram à informação via meios de comunicação ou navegando pelas redes sociais.

Se for esse o caso, esses líderes confiaram que os articuladores de redes online das igrejas e a ação do local de pastores desencorajariam conversas sobre o PL. A blindagem funcionou nesses espaços, mas vazou por outros canais.

Talvez tenha sido a primeira vez que o evangélico comum se percebeu manipulado por seus representantes políticos. E isso aconteceu também pelo amadurecimento da atuação do campo progressista.

É a direita radical que geralmente vence a disputa de narrativas sobre costumes. Age de forma rápida e eficiente para sintetizar uma ideia que pode ser expressa com o mínimo de imagem e texto e, assim, caber no formato de meme de internet. Influenciadores que comandam a atenção de milhões de pessoas fazem a informação circular.

Desta vez, o campo progressista dominou a disputa. Fez isso, por exemplo, ao chamar o projeto de "PL do estuprador". Resultado: a bancada evangélica recuou e fala em adiar votação.

spyer@uol.com.br

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