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Nicarágua: eleições autoritárias e crise de regime

Se as coisas continuarem como estão, em novembro serão realizadas eleições nas quais haverá apenas uma candidatura para votar

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Salvador Martí i Puig

é professor de ciência política na Universidade de Girona e pesquisador associado sênior da Fundação CIDOB-Barcelona.

O que está acontecendo na Nicarágua? Por que se desencadeou recentemente uma repressão seletiva sobre diversos líderes políticos da oposição, incluindo candidatos presidenciais? Como é possível entender a deriva reacionária do regime de Ortega?

Para dar uma resposta sensata, cabe destacar, por um lado, a surpreendente estabilidade que o governo de Ortega conseguiu de 2007 a 2018, período em que articulou um regime de natureza corporativa que, sob uma cosmética liberal-democrática, reuniu os interesses do grande capital nacional, das igrejas e dos setores mais empobrecidos do país. E por outro lado, o esgotamento desse artefato político em abril de 2018, quando eclodiu uma intensa onda de protestos.

A centelha para os protestos foi uma reforma do sistema previdenciário e gestão deficiente dos incêndios na reserva da biosfera do Índio Maíz, mas rapidamente se somaram diversos coletivos —majoritariamente jovens urbanos de classe média e líderes de movimentos sociais— que impugnaram o regime em sua totalidade, sobretudo por seu caráter arbitrário, repressivo e patrimonial.

Desde então, o regime tem experimentado uma deriva reacionária e repressiva, à qual foram acrescentadas manifestações surreais, como uma convocatória governamental que incentivou suas bases a saírem às ruas para gritar “amor no tempo de Covid”.

Só a partir desse marco —uma década de estabilidade e um biênio de crise— é possível compreender como hoje, a apenas cinco meses para as eleições, foi desencadeada uma feroz campanha de repressão governamental. Uma campanha que envolveu —enquanto este texto está sendo escrito— a supressão da liberdade de quatro candidatos presidenciais —Cristiana Chamorro, Arturo Cruz, Félix Maradiaga e Juan S. Chamorro— e o encarceramento de vários líderes da oposição: Violeta Granera, José A. Aguerri, José Pallais, José Pallais e José Luis Aguerri. Aguerri, José Pallais, Tamara Dávila, Dora M. Téllez, Ana M. Vijil, Suyen Barahona, Hugo Torres, Walter Gómez e Marcos Fletes.

Policiais em frente à casa de Cristiana Chamorro, candidata à Presidência da Nicarágua, em Manágua - Inti Ocon-2.jun.21/AFP

Diante da ansiedade do casal Ortega-Murillo durante os meses de abril e maio de 2018, o governo mudou sua estratégia. Passou da cooptação e do pacto, à repressão indiscriminada e maciça e, desde algumas semanas atrás, à repressão seletiva. Neste sentido, é possível apontar que a crise sanitária da Covid-19 ajudou a estabilizar o regime Ortega-Murillo.

A mistura de repressão e medo de contágio —em um contexto em que o governo foi negligente— acabou rompendo uma coalizão negativa que era ampla, mas pouco coesa. Todo mundo sabe que uma coisa é o protesto de rua e outra muito diferente é a competição na arena eleitoral.

Quando as mobilizações desapareceram —por cansaço, medo e prevenção de contágio— , emergiram líderes políticos com vontade de negociar fórmulas eleitorais e cotas de poder no âmbito de uma administração eleitoral que a FSLN controla totalmente.

A incapacidade da oposição de fazer uma “frente comum” durante o último ano deu asas ao governo Ortega para impulsionar uma severa legislação repressiva que a Assembleia Nacional —também controlada pela FSLN— aprovou no final de 2020. Hoje, essa legislação está sendo usada para eliminar qualquer ameaça de oposição ao governo.

Neste sentido, está claro que a eleição de novembro não será nem livre nem competitiva, mas uma eleição autoritária de manual. Uma eleição sem observação internacional e sem nenhuma garantia de nada.

Se as coisas continuarem como estão, em 7 de novembro de 2021, serão realizadas eleições nas quais haverá apenas uma candidatura para votar —a da FSLN, que foi fagocitada por um clã familiar— e, portanto, Ortega ganhará sua quarta eleição presidencial consecutiva. Com isso, o tandem Ortega-Murillo se consolidaram no poder, embora com um apoio internacional mínimo e quase nenhuma legitimidade nacional.

Neste contexto, a grande pergunta é qual poderá ser o futuro do regime uma vez que ele tenha vencido as eleições autoritárias de 2021. Ninguém sabe se Ortega será capaz de reconstruir a antiga aliança que tinha com o grande capital, ou se as condições para uma nova explosão social irão se intensificar.

Em qualquer caso, a vitória do tandem Ortega-Murillo certamente significará a continuação de um regime dinástico e personalista. Um tipo de regime, por certo, que sempre tem problemas quando o dilema do revezamento aparece no horizonte.

Como está, a deriva autoritária e a mentalidade fechada que apresenta o casal presidencial revela um processo de isolamento e alienação internacional típico de uma república ex-soviética. Tudo isso em uma região onde a Nicarágua não tem aliados próximos (ou ricos) a quem recorrer, nem um discurso legitimador a que apelar.

Manter a Presidência pela força é a ruína de qualquer regime. Assim expôs Dora María Téllez —que foi comandante sandinista e ministra da Saúde durante a revolução— em um tuíte imediatamente antes de ser presa. O tuíte dizia: eliminar toda candidatura, toda oposição, é o objetivo de uma ditadura em agonia. Por isso que recorre a uma repressão maciça. Nada tem funcionado. Nada vai funcionar.

* Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

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