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A Venezuela e a narrativa irresponsável da recuperação

A evolução dos indicadores socioeconômicos mostra que a situação no país está longe de uma estabilização

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William A. Clavijo

Nos últimos meses, a narrativa de uma suposta recuperação da situação na Venezuela ganhou impulso.

Nicolás Maduro e seus colaboradores, incluindo aliados nacionais e internacionais, assim como a mídia, começaram a difundir a ideia de que as condições no país estão melhorando e que os venezuelanos estão começando a retornar.

Isso apesar dos avisos de vários organismos internacionais e organizações da sociedade civil de que as causas que provocaram a complexa emergência humanitária ainda permanecem.

Apesar disso, a promoção dessa narrativa tem continuado e, em alguns casos, é confundida com outras tentativas de normalizar o regime político atual.

Contudo, é importante contrastar estas visões com a realidade.

Vestindo uma camisa branca, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, é retratado de perfil no Palácio de Miraflores, a sede de seu governo, em Caracas; ele usa bigode e está com o semblante sério
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, no Palácio de Miraflores, a sede de seu governo, em Caracas - Leonardo Fernandez Viloria - 29.ago.2022/Reuters

As dimensões do colapso econômico e suas consequências sociais

De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), de 2013 a 2021 o Produto Interno Bruto (PIB) venezuelano sofreu uma redução de mais de 80%.

Segundo a mesma organização, a Venezuela fechou 2021 com um PIB per capita médio de US$ 1.685, o valor mais baixo entre os países do continente americano.

Essa realidade foi a consequência de quase duas décadas de políticas erráticas como o controle de preços de produtos e serviços, gastos públicos excessivos, nacionalização de uma centena de empresas e controles cambiais sobre moeda estrangeira.

Além disso, devem ser considerados os escandalosos casos de corrupção, o colapso da indústria petrolífera devido à péssima gestão da estatal PDVSA e, a partir de 2019, a imposição de sanções setoriais.

Durante o mesmo período, a economia nacional experimentou um dos mais longos ciclos de hiperinflação da história, destruindo o valor do bolívar e da poupança familiar.

Complicando ainda mais a situação, um colapso geral dos serviços públicos ocorreu naqueles anos.

Como resultado, de acordo com a pesquisa Encovi, de 2013 a 2021 a taxa de pobreza de renda aumentou rapidamente para mais de 90%. Em 2019, a dramática situação levou a chefe de direitos humanos da ONU a descrever a situação como uma emergência humanitária complexa.

A crise humanitária tem causado danos irreparáveis à sociedade como um todo, como mostram os casos documentados relatados nos últimos anos.

Em 2020, o Programa Mundial de Alimentação classificou a Venezuela como o quarto país do mundo com a maior proporção da população em situação de insegurança alimentar aguda (9,3 milhões de venezuelanos, o equivalente a 32% da população).

Além disso, mais de 6 milhões de pessoas deixaram o país, provocando a maior crise migratória já vista nas Américas.

Dezenas de migrantes venezuelanos desembarcam de um ônibus em Washington, capital dos EUA
Migrantes venezuelanos desembarcam de um ônibus em Washington, capital dos EUA - Stefani Reynolds - 2.ago.2022/AFP

A resposta do governo foi negar a crise, prolongar as decisões políticas que causaram o colapso econômico, culpar outros e virar as costas para uma população desesperada para sobreviver.

A partir de 2018, em um reconhecimento implícito do fracasso das políticas econômicas, Maduro levantou controles de preços e tarifas sobre a importação de alimentos e outros produtos, permitiu que produtos e serviços fossem transacionados em moeda estrangeira, começou a recolher dinheiro inorgânico das ruas para controlar a hiperinflação e começou a oferecer empresas expropriadas e falidas a seus antigos proprietários, a "boligurguesia" ou aliados internacionais.

Estabilização no fundo do poço?

No último trimestre de 2021, de acordo com os próprios dados do regime e estimativas de vários analistas, a economia venezuelana mostrou novamente sinais de crescimento. Desde o final do ano passado, a inflação também tem mostrado sinais de desaceleração.

Nesse novo contexto de desordenada liberalização econômica e no qual a segurança jurídica está condicionada à vontade do regime político, alguns setores econômicos começaram a dar sinais de recuperação parcial, principalmente aqueles associados ao setor comercial e de serviços orientados para o consumo final.

Diferentes analistas concordam que a economia deve crescer a taxas de 5 a 20% em comparação com o tamanho do PIB nacional atual. Entretanto, eles também apontam que os setores que mostram sinais de recuperação são de pouca profundidade produtiva e de baixo valor agregado.

As amostras parciais de prosperidade no novo capitalismo de camaradagem também estão limitadas a uma pequena proporção da população com acesso a moeda estrangeira, aprofundando a exclusão da maioria dos cidadãos.

Segundo estimativas da empresa de consultoria Anova, em 2020 e 2021, enquanto a renda média da economia aumentou 65%, a renda dos 30% mais pobres da população caiu ou ficou estagnada.

Enquanto isso, o país tem sérios problemas estruturais que impedem sua recuperação e perpetuam o caminho de empobrecimento generalizado que começou em 2013.

A taxa de desemprego permanece em mais de 40%, equivalente a quase 9 milhões de pessoas em idade produtiva mas fora do mercado de trabalho.

Em julho, segundo cálculos da Cendas-FVM, o salário mínimo era de US$ 23,04 por mês, enquanto o custo da cesta básica é estimado em US$ 460.

Em 2022, a Venezuela foi excluída do relatório sobre insegurança alimentar aguda, apresentado pelo Programa Mundial de Alimentação e pela FAO, devido às dificuldades de acesso aos dados por parte dessas organizações.

Entretanto, de acordo com estimativas recentes da respeitável especialista em proteção e ajuda humanitária Susana Rafalli, de 10 a 11 milhões de venezuelanos têm necessidades humanitárias urgentes.

Nesse contexto, o fluxo migratório continua. De acordo com a última atualização da plataforma R4V, o número de venezuelanos no exterior é de 6,8 milhões de pessoas, e várias análises confirmam que mais venezuelanos estão saindo do que retornando.

Como mostra a evolução dos indicadores socioeconômicos, a situação atual na Venezuela está longe de ser uma recuperação. É difícil falar de estabilização, considerando as dimensões do colapso sofrido.

O que é certo é que a grande maioria da população ainda vive na pobreza, sendo que um terço dela está com fome.

Portanto, é necessário dizer que a narrativa de recuperação é irresponsável e não faz nada para encorajar a comunidade internacional a continuar apoiando os esforços para enfrentar a emergência humanitária dentro e fora da Venezuela.

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