Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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E daí se a orgia de Doria fosse verdade?

Sexo importa mais do que deveria numa eleição

João Doria segurando copo d'água
João Doria participa de debate de segundo turno entre os candidatos ao governo do estado de São Paulo - Danilo Verpa - 23.out.2018/Folhapress

É provavelmente fake news o vídeo em que um suposto João Doria participa de uma orgia com cinco mulheres. Mas e daí se fosse verdade? 

Vejam só o que faz a política. Num instante, transforma libertinos em conservadores morais. Gente que costuma criticar o preconceito contra gays ou mulheres pouco recatadas ontem compartilhava o vídeo da orgia como prova do mau-caratismo de Doria. À esquerda e à direita, o sexo importa mais do que deveria numa eleição. 

Sabendo da importância que eleitores dão ao comportamento sexual, políticos se esforçam para aparecer na TV com a mulher e os filhos. Juram serem santos recatados e do lar, sem pecado ou o menor traço de devassidão. Que canseira disso tudo. 

É preciso deixar os políticos fazerem sexo como quiserem. Pouco importa se um líder público é gay, promíscuo, casado e com filhos, assexuado ou se faz orgias com prostitutas. 

Nos poucos segundos do vídeo com homem parecido com Doria, ninguém parece ser coagido a participar da festa. Não há crime nas imagens –só pessoas tendo prazer ou trabalhando de forma voluntária. Um possível prejudicado seria a mulher do candidato –mas isso é uma questão privada, em que não se mete a colher.  

Claro que, se verdadeiro, o vídeo apontaria uma contradição. No palanque, Doria defende a família; entre quatro paredes, trairia a esposa. Bem, seria uma contradição corriqueira na política. Da mesma forma, Manuela D’ávila, uma comunista ateia, vai à missa e faz compras em Nova York. 

E tudo bem. Políticos são por definição seres públicos. Para um eleitor, o relevante é como um político age publicamente (votando, propondo leis, defendendo causas em discursos), e não privadamente.  

Além disso, João Doria, nem nesta campanha em que se aproxima dos conservadores, está apostando muitas fichas na defesa de valores cristãos. Sua estratégia é mais o antipetismo, para aproximar-se de Bolsonaro, que o conservadorismo. 

Há muito tempo o comportamento sexual é uma arma para atacar a credibilidade de um indivíduo. Nas vésperas da Revolução Francesa, panfletos retratavam Maria Antonieta como uma rainha infiel, depravada e com apetite sexual insaciável. Reproduzidos aos milhares pelos líderes revolucionários, os panfletos levantaram o povo contra a monarquia.  

Séculos depois, na eleição para a prefeitura de São Paulo em 2008, a campanha de Marta Suplicy sugeriu que Gilberto Kassab gostava de homens. 

Não há relação comprovada entre comportamento na cama e no governo. Bill Clinton, que protagonizava cenas de tarja preta com Monica Lewinski na Casa Branca, tirou os Estados Unidos da recessão. Ernesto Geisel, de longe o pior presidente da ditadura, deveria nutrir uma entediante fidelidade à esposa. 

Se formos escolher só os mais brasileiros pudicos para ocuparem cargos públicos, vão sobrar poucas opções. Por isso é melhor dar pouca importância a essa questão. 

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