Lorena Hakak

Doutora em economia e professora da FGV. Atua como presidente da GeFam (Sociedade de Economia da Família e do Gênero)

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Família é tudo?

Decisão sobre ter filhos faz com que casais se dividam entre trabalhos ambiciosos e flexíveis, o que reforça papéis de gênero

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Outro dia conversando com uma colega, ela dividiu comigo uma questão que a afligia. Ela, nos seus trinta e poucos anos, estava no dilema entre esperar uma melhor posição no mercado de trabalho e ter filhos. Esse dilema não é só dela. Ele é compartilhado por milhares de outras mulheres. Qual é o melhor momento para ter o primeiro filho?

Sabendo como os cuidados com a maternidade recaem sobre a futura mamãe, é difícil tomar essa decisão. Como apontado em diversos estudos científicos do Brasil e de outros países, a diferença salarial entre homens e mulheres aparece de forma significativa a partir do nascimento do primeiro filho.

Trabalhos ambiciosos tem melhor remuneração, contudo, fica mais difícil para o indivíduo sair do escritório se o filho fica doente, por exemplo - Ben Stansall/AFP

O que dizer, então, para essa colega? Que ela deve postergar a gravidez? O maior problema é que a questão biológica é perversa com as mulheres. Muitas têm tentado engravidar depois dos 40 anos, porém, essa escolha aumenta as chances de insucesso e de gravidez de risco. Ela poderia congelar os óvulos? Essa possibilidade, contudo, é para poucas, já que o custo é alto. Uma outra opção mais radical seria desistir da carreira, mas não é justo que a mulher deva escolher entre carreira e família.

O que se observa é que muitas mulheres buscam trabalhos mais flexíveis (que, em média, pagam menos) e que exigem menos horas extras ou turnos muito longos. Assim, esse tipo de decisão acaba por refletir que, ao longo do tempo, as mulheres ganhem, em média, menos do que os homens e que sejam menos promovidas.

Para reduzir essa sensação de quase impotência que atinge as mulheres, devemos buscar soluções no âmbito da família e da sociedade. Considerando o casamento tradicional, os homens precisam internalizar seu papel como pais, dividindo de forma equitativa os cuidados de criação de uma criança com sua companheira. Reduzindo, assim, os custos do cuidado ao compartilhá-los com ela. Contudo, isso nem sempre é o que acontece.

É comum um arranjo familiar organizado de tal forma que um dos cônjuges escolha um trabalho mais flexível enquanto o outro busca um mais "ambicioso". Este tipo de trabalho demanda longas jornadas e tem melhor remuneração, contudo, fica mais difícil para o indivíduo sair do escritório se o filho ficar doente ou, por exemplo, deixar de atender um cliente na hora do jantar. Como o cuidado muitas vezes requer um trabalho mais flexível, se ambos os cônjuges dividirem as tarefas, os dois serão penalizados no mercado de trabalho, o que terá um reflexo na renda familiar. Isso pode acontecer até na mesma profissão.

Tal divisão pode acabar reforçando papéis de gênero.

Na outra ponta está a sociedade que precisa avançar e encontrar soluções para reduzir essas diferenças de gênero e na divisão de cuidados. De um lado está o poder público, como o Congresso fazendo leis mais modernas como, por exemplo, a extensão da licença paternidade obrigatória, enquanto governos (nas diferentes esferas) deveriam ampliar creches de boa qualidade e de tempo integral para sinalizar que estão atentos às mudanças necessárias para uma maior equidade. Do outro lado, o setor privado, que hoje privilegia quem trabalha mais horas, com longas jornadas de trabalho e tem maior disponibilidade fora do turno de trabalho ou finais de semana. Isso é mais evidente em ocupações que pagam mais, como na área financeira ou nas ocupações "ambiciosas". Há necessidade de buscar mudanças nas formas de contrato de trabalho para reduzir essas disparidades.

As mulheres têm, em média, mais anos de escolaridade que os homens e têm todo o direito de buscar as ocupações consideradas "ambiciosas". Mudanças de comportamento e atitudes dos pais e companheiros e da sociedade trariam alívio para as decisões das mulheres e uma maior equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho.

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