Lorena Hakak

Doutora em economia e professora da FGV. Atua como presidente da GeFam (Sociedade de Economia da Família e do Gênero)

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A ascensão das mulheres como chefes de família no Brasil

Somente em 1962 as casadas puderam trabalhar sem a autorização do marido

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Minha mãe e avó começaram a investir em suas carreiras aos 40 anos, após dedicarem boa parte de suas vidas à família. Ambas exemplificam a tradicional divisão sexual do trabalho, na qual o homem é considerado o provedor e a mulher é a cuidadora da casa e dos filhos. Frequentemente, a própria legislação não só reflete, mas reforça as normas de gênero, especialmente em países com baixa representatividade feminina na política.

De acordo com o código civil de 1916, as mulheres casadas eram consideradas parcialmente incapazes e dependiam da autorização dos maridos para trabalhar fora ou abrir uma conta bancária. O futebol feminino foi proibido entre os anos de 1941 e 1979. Mudanças significativas só começaram com o Estatuto da Mulher Casada em 1962, que ainda considerava o marido como "chefe da sociedade conjugal" e que a "mulher assuma, com o casamento, os apelidos do marido".

Somente em 1962 as mulheres casadas puderam trabalhar sem a autorização do marido e, em 1974, após a Lei de Igualdade de Oportunidade de Crédito, as mulheres passam a ter direito a possuir um cartão de crédito sem precisar da autorização do pai ou marido. A obrigatoriedade de adoção do sobrenome do marido foi abolida apenas em 1977, com a Lei do Divórcio. A igualdade de gênero plena só foi consagrada com a Constituição de 1988.

A imagem apresenta três mulheres em estilo ilustrativo. A mulher à esquerda tem cabelo cacheado e preto e usa uma blusa branca, segurando uma pasta vermelha. A mulher do meio tem cabelo liso e castanho, vestindo uma blusa roxa. A mulher à direita tem cabelo liso e loiro, usando uma blusa marrom. Todas estão de pé, com um fundo em tom neutro.
As mulheres tornaram-se maioria como chefes de família, alcançando 51,1% do total em 2022, um aumento significativo em comparação aos 35,7% em 2012 - Mary Long/Adobe Stock

Na Carta GeFam (Sociedade de Economia da Família e do Gênero) de agosto de 2024, escrita em colaboração com Ana Luiza de Holanda Barbosa e Sara Costa, discutimos como a figura tradicional do "homem da casa" ou "pai de família", muito associada a questões patriarcais ou por renda, remetem a uma posição de destaque e poder dentre os membros do domicílio.

Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do IBGE, a questão sobre quem é o "chefe do domicílio" é baseada em critérios subjetivos, em que a família pode designar o chefe com base na maior renda, idade ou percepção de responsabilidade.

As mulheres tornaram-se maioria como chefes de família, alcançando 51,1% do total em 2022, um aumento significativo em comparação aos 35,7% em 2012. Entre essas chefes de família, 60% possuem a maior renda no lar, uma ligeira diminuição em relação a anos anteriores. A proporção de mulheres chefes de família por senhoridade também diminuiu, de 72,6% em 2012 para 62% em 2023. Além disso, mais da metade dessas mulheres (57,7%) são negras ou indígenas, mostrando um aumento desde 2012, quando representavam 52,8%. O que pode ter contribuído para essa mudança de designação?

Um aspecto que pode ter contribuído para a influência no protagonismo feminino foi a expansão do Programa Bolsa Família (PBF). Esse programa tem uma predominância de beneficiárias mulheres, que representam aproximadamente 88% de todos os beneficiários. O aumento no número de chefes de famílias mulheres entre as beneficiárias do PBF aumentou 34,4% em 2012 para 64,4% em 2023.

No mercado de trabalho, observou-se um aumento significativo na proporção de mulheres que são chefes de família. Entre as mulheres ocupadas, essa proporção cresceu de 29,9% em 2012 para 45,1% em 2023. Já entre as mulheres desocupadas, o aumento foi de 18,6% para 41,8% no mesmo período. O aumento na composição entre chefes de família mulheres também é observado por nível de escolaridade. Mulheres com ensino superior representam 18,9% a proporção de chefes de família em 2023. Esses dados sugerem que o fenômeno foi comum a vários cortes realizados e vão além do efeito ocasionado pela política de transferência de renda.

Um aspecto notável é a persistência da diferença no número de horas dedicadas ao trabalho não remunerado em afazeres domésticos e cuidados, entre homens e mulheres que são chefes de família. De 2012 a 2023, essa diferença manteve-se praticamente constante em cerca de 10 horas semanais. Esse padrão reflete uma tendência comum em muitos lares brasileiros, onde as tarefas de cuidado ainda são predominantemente assumidas pelas mulheres.

A legislação brasileira incorporou de forma tardia leis que não discriminassem as pessoas por seu gênero ou estado civil, sugerindo um padrão negativo da sociedade brasileira que vigorava na época. Mesmo após 36 anos da promulgação da Constituição, ainda persistem desigualdades baseadas em normas de gênero. Houve progressos significativos, porém, a jornada em direção à plena igualdade de gênero continua sendo extensa e desafiadora. Talvez a ascensão das mulheres como chefes de família na maioria dos domicílios seja uma sinalização que aquela visão do homem como "chefe da sociedade conjugal" ficou para trás.

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