Laura Müller Machado

Mestre em Economia Aplicada pela USP, é professora do Insper e foi secretária de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo

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Mulheres são maiores responsáveis por lares brasileiros pela 1ª vez: o que isso significa?

Lares com mulheres como responsáveis passou de 22,2 milhões em 2012 para 38,3 milhões em 2022

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Na Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE), uma das perguntas mais importantes é quem é o responsável por aquele domicílio. No manual básico da entrevista, fica definido que responsável é o morador ou a moradora assim considerado pelos demais, ou seja, essa pessoa precisa ser a escolhida por outros moradores, sem qualquer norma ou referência.

A decisão não se baseia em critérios como quem é o mais velho ou quem gera a maior renda. Imagina-se que esses fatores influenciem a escolha, porém, os dados de renda e idade são só perguntados na sequência.

A pesquisa mostra que, de 2012 a 2022, o número de lares com mulheres como responsáveis cresceu 73%, passando de 22,2 milhões para 38,3 milhões. Pela primeira vez na história, supera o número de domicílios com responsáveis homens. A tendência indica que, em um futuro muito próximo, as casas terão majoritariamente mulheres como responsáveis.

Nuthawut / Stock Adobe

O que pode ter causado uma alta de 73% em 10 anos? Muitas são as hipóteses. A renda gerada pelos moradores pode influenciar a decisão sobre quem é responsável. O Bolsa Família, desde sua criação, priorizou as mulheres como responsáveis pelo recebimento do benefício financeiro e gerou empoderamento feminino. Houve também maior inserção no mercado de trabalho, aumento da remuneração e dos direitos reprodutivos, que certamente impactam esse resultado.

O número de famílias atendidas pelo Bolsa Família cresceu 6 milhões nesse mesmo período. O número de lares em que a pessoa de referência não tem cônjuge, mas sim filhos, subiu 2,1 milhões, enquanto o crescimento de lares com mulheres como responsáveis é de 16,1 milhões. No campo de inserção no mercado de trabalho e de aumento de renda, os ganhos existiram, mas não dessa magnitude. Inclusive, a renda do trabalho feminino é sistematicamente menor do que a do masculino.

Considerando todos esses fatores (transferência de renda às mulheres, aumento da participação no mercado de trabalho, da remuneração e dos direitos reprodutivos) nenhum indicador cresceu nessa velocidade.

A definição de quem é o chefe da família, uma escolha do próprio domicílio e sem referências preestabelecidas, tem grande associação com mudanças culturais e de normas sociais. É provável que, apesar dos avanços recentes do empoderamento, os domicílios brasileiros tenham se dado conta de que a pessoa de referência sempre foi a mulher, e agora a declaram como tal, independentemente da posição de provedora.

Quais as implicações da explosão desse reconhecimento? Depende do país que queremos construir.

Do ponto de vista das políticas centradas na família, como Bolsa Família, de saúde familiar, programas de fortalecimento de vínculo, vacinação de crianças, entre tantos outros, dado que a mulher é a grande responsável pelos lares, provavelmente focar estratégias nelas seja a forma mais efetiva de garantir esses direitos e serviços prestados à população.

No entanto, esse caminho aposta no uso instrumental da mulher pelo Estado, como forma de ampliar a eficácia da política pública, e reforça a naturalização do papel feminino de cuidado.

Sabemos que as mulheres alocam o dobro de tempo dos homens aos afazeres domésticos, um dia de trabalho a mais por semana, 8 horas. O uso instrumental pela política pública aprofunda o fosso existente entre homens e mulheres ao atribuir a elas maiores responsabilidades.

Fica a reflexão: a sociedade brasileira quer reconhecer as mulheres ou reiterar uma divisão sexual do trabalho?

Se considerarmos o país como um conjunto de lares, as mulheres são responsáveis por 51% dele. No topo desse país, o governo federal, que deveria ser representativo, tem 11 mulheres entre 39 ministros, só 28%.
Celebramos o reconhecimento do que é de direito das mulheres, no entanto, queremos acentuar esse caminho?

É necessário cuidado no uso instrumental dessa responsabilidade feminina: ela pode acirrar nossas velhas conhecidas desigualdades de gênero.

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