Em novembro de 1975, um raio devastou a alta sociedade nova-iorquina. Nas páginas da revista Esquire, Truman Capote eviscerou a vida de algumas das mais conhecidas socialites da cidade, de seus maridos e das amantes de seus maridos, da forma detalhada como apenas quem viu ou ouviu tudo aquilo em primeira mão poderia fazer.
Capote (1924-1984) estava, então, no auge da sua fama; havia escrito "A Sangue Frio" —um cânone da reportagem que versa sobre o assassinato de uma família do Kansas em 1959— e "Bonequinha de Luxo", conto alçado a clássico do cinema com Audrey Hepburn como garota de programa, além de reportagens para publicações de prestígio.
Mas estava, havia um tempo, sem publicar algo revolucionário. Sua obra-prima, pensava, estava por vir.
Nascido em Nova Orleans, sul dos EUA, Capote tinha na bagagem uma infância de sobressaltos (o pai abandonou a família cedo, a mãe o deixou com parentes variados até se reconstruir com o milionário de origem cubana que lhe passaria o sobrenome consagrado), uma adolescência de privilégio em escolas ricas de Connecticut e um talento para escrever histórias que rivalizava apenas com seu apetite social.
O artigo para a Esquire é, de certa forma, a confluência dessas habilidades. A história de como Capote apurou a reportagem (insidiosa como nenhum manual de jornalismo recomendaria) e o tsunami que reverberou dela estão contados na segunda temporada da série "Feud", "Capote vs. The Swans", que estreou nesta quarta (8) no Star+.
"Swans", ou cisnes, era como o escritor chamava esse círculo de socialites —pense nelas como influenciadoras analógicas— devido à sua beleza e habilidade em deslizar placidamente na água camuflando um esforço hercúleo para permanecer na superfície.
A minissérie monta um quadro ferino das vidas reluzentes e ocas, e seria saborosa meramente pela fofoca. A produção de Ryan Murphy, o texto elegante do dramaturgo Jon Robin Bait, a direção lânguida de Gus van Sant e o elenco inspirado a tornam exuberante.
Naomi Watts, Diane Lane, Chloe Sevigny, Demi Moore e uma irreconhecível Calista Flockhart entregam cisnes possivelmente mais interessantes que as reais; Molly Ringwald é a amiga fiel; a maravilhosa Jessica Lange faz a mãe já sepulta que surge em delírios e às vezes se confunde com a própria ideia da Morte.
E Tom Hollander, o "gay assassino" de "White Lotus 2", é a ressurreição em tela do escritor, cuja personalidade peculiar se fazia acompanhar de uma figura extravagante e uma voz anasalada que deixava escorrer suas anedotas, sempre o auge das festas.
Seria fácil recair na caricatura, mas Hollander compõe um personagem múltiplo: solitário, arrivista, genioso, mesquinho, insidioso, genial, carente.
Philip Seymour Hoffman levou um Oscar pelo filme de 2006 com o nome do escritor e parecia imbatível no papel. Hollander confere sutileza aos traços mais tristes de Capote, relutantes sob os gestos maneiristas do escritor, em uma interpretação assombrosa.
Todos os oito episódios de "Capote vs. The Swan" estão no Star+
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