Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Nos 25 anos da Corte de Haia, humanidade ainda convive com facínoras e fundamentalistas

Tribunal pediu nesta semana a prisão de Netanyahu e de líderes do Hamas

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A promotoria do Tribunal Penal Internacional (TPI) pede a prisão do primeiro-ministro e do ministro da Defesa de Israel, Binyamin Netanyahu e Yoav Gallant, por crimes contra a humanidade (por matar deliberadamente de fome civis palestinos na Faixa de Gaza), e de lideranças do Hamas, entre eles Ismail Haniyeh, pela instigação de delitos praticados contra civis israelenses (sequestros, assassinatos e estupros).

São, de fato, facínoras, mas, mesmo que sejam decretadas as prisões e instaurados os processos, eles só seriam presos no caso de serem encontrados em países que aceitam as decisões do tribunal.

O pedido de prisão de Netanyahu e Haniyeh tem, portanto, significado retórico.

Palestinos em Khan Yunis, no sul da Faixa da Gaza - Eyad Baba/AFP

Como nem todos os países aderiram ao estatuto do TPI, do ponto de vista prático, a maioria da população mundial permanece fora de seu alcance: Estados Unidos, China, Índia, Rússia, Israel, Irã, Arábia Saudita e Coreia do Norte, por exemplo, não são Estados-membros.

Quando concebido, em 1998, o Tribunal Penal Internacional era saudado como instituição capaz de exercer papel civilizatório –não como uma corte com jurisdição plena em todo o planeta. Com certo otimismo, imaginava-se que o TPI, no contexto de um movimento de globalização aparentemente inexorável, iria adquirir força paulatinamente.

Karim Khan, procurador do Tribunal Penal Internacional, em evento na Colômbia, em abril - Luis AcostaAFP

Mas, desde que passou a funcionar, o TPI só se revelou eficaz mesmo, e em alguma medida, na África. A única condenação criminal é do congolês Thomas Lubanga Dylo, em 2012, por crimes de guerra.

Assim são as relações internacionais. Os que perdem a guerra são punidos por crimes de guerra: os que vencem não. E sempre prevalecem o poderio e os interesses econômicos.

A monarquia absoluta da Arábia Saudita pratica atrocidades contra mulheres e dissidentes políticos, mas o país é aliado da formidável democracia norte-americana.

Ismail Haniyeh, líder do Hamas, em Teerã - Presidência do Irã/West Asia News Agency via Reuters

O TPI decretou em 2023 a prisão de outro tirano, Vladimir Putin, pela deportação ilegal de crianças ucranianas para a Rússia. Putin, porém, permanece no poder e reagiu à decisão de Haia instaurando em Moscou processo criminal contra o procurador e os juízes do TPI.

O porta-voz do governo alemão assegura que o país cumpriria, em seu território, a hipotética ordem de prisão de Netanyahu.

Mas Lula, que comemorou a denúncia contra Jair Bolsonaro, entregue ao TPI em 2109, por crimes contra a existência de povos indígenas (ainda sem decisão), nega a legitimidade do mesmo TPI quando se trata de Putin: o presidente do Brasil, país signatário do estatuto do tribunal, chegou a dizer (e depois recuar) que convidaria o governante russo para a reunião do G20 no Rio de Janeiro, garantindo que, aqui, ele não seria detido.

Líder político do Hamas, Hanyeh, exilado no Qatar, transita com desenvoltura no Oriente Médio. Compareceu nesta semana ao funeral do ex-presidente do Irã Ebrahim Raisi, outro facínora, conhecido pela sugestiva alcunha de "Carniceiro de Teerã".

Nicolás Maduro, investigado pelo TPI, Daniel Ortega, da Nicarágua, e Xi Jinping, o poderoso secretário-geral do Partido Comunista da China, são ditadores oriundos do campo da esquerda.

Recep Erdogan, presidente da Turquia, persegue jornalistas, oponentes, ativistas de direitos humanos e "pervertidos" homossexuais.

Depois de 25 anos da Conferência de Roma que criou o TPI, a humanidade está condenada a conviver com facínoras, ditadores e religiosos fundamentalistas e sanguinários. Eleitos ou não.

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