Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé
Descrição de chapéu tiktok

Palestrante de diversidade propõe Instituto Cultural Hamas e envergonha Satã

Ficar famoso hoje independe de gerar algum conteúdo de fato, basta repetir bobagens e mímicas que agradam à horda

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O sucesso, e sua busca sistemática, é uma força motora em aceleração a transformar as pessoas em idiotas no século 21 —digamos que não seja um esforço tão difícil assim. Mas, antes, examinemos de forma breve o estado da questão, como se diz na academia.

Reza uma lenda urbana antiga que durante o Império Romano, quando um general entrava em Roma vitorioso, ao seu lado seguia um homem a lhe dizer "lembras que tu és pó". A Bíblia está plena de referências que somos pó e cinzas, mesmo o grande Abraão diz isso quando vai falar com o Eterno –com maiúscula mesmo, pois é o termo em uso para Deus no judaísmo.

Essa lenda tem suas credenciais filosóficas. Já o estoicismo chamava a atenção dos seus contemporâneos para o risco de se enganar com a busca do sucesso no mundo. Nada mais efêmero. Por outro lado, máximas do tipo "o que adianta ganhar o mundo e perder a alma?" já foram repetidas tanto no seu sentido original quanto de forma cínica —"o sucesso dura algum tempo, e a alma talvez nem exista".

A espiritualidade em diversas religiões já chamou a atenção para o engodo que seria a busca do sucesso mundando: "E tudo passa, tudo passará, e nada fica, nada ficará", como dizia o famoso cantor Nelson Ned. A peça "Macbeth", de Shakespeare, é inteiramente dedicada à loucura pelo sucesso —ele decide que tinha direito de ser o rei da Escócia, o resto você sabe, não?

Aliás, arriscaria dizer que a síndrome da idiotia causada pela busca obsessiva pelo sucesso no século 21 passa pela síndrome de Macbeth: "Tenho o direito de ser rei". Ser famoso logo fará parte das pautas dos direitos humanos.

Satã estes a morrer de vergonha  A ilustração figurativa de Ricardo Cammarota foi executada em técnica manual, com pincel e tinta nanquim aguada sobre papel, depois scaneada e colonizada digitalmente.  Na horizontal, proporção 17,5cm x 9,5cm, a imagem não apresenta uma narrativa aparente. Em traços estilizados com pincel: quase que ao centro da ilustração, há um personagem maior com grandes asas cor lilás, 4 chifres e uma chama de fogo na cabeça, que tem formato de emoji com os olhos a espreita, mãos cobrindo o rosto, está sentado no chão, os braços e dorso nus na cor verde limão com uma grande cruz no peito. Da cintura para baixo, veste tecido verde água e tem patas de animal.  À direita, abaixo, há 6 rostos de emojis coloridos: assustado, chorando, espantado, vomitando bravo e assustado.
Ilustração da coluna Pondé de 20.nov.23 - Ricardo Cammarota

Uma das sinas do século 21 é muitas pessoas exporem suas vidas privadas nas mídias —brigas entre marido e mulher, orientações sexuais, baixarias entre pais e filhos, depressões em público como confissão de profundidade psíquica, inventários miseráveis—, tudo para garantir engajamento e monetização da sua banal existência.

A fúria pelo sucesso atinge mesmo alguns profissionais liberais que até no TikTok buscam fidelizar clientes e gerar demanda. Dirá a pitonisa que isso é efeito do capitalismo no estágio senil em que vivemos.

Não há dúvida que o argumento da pitonisa de Delfos, se cá estivesse, teria uma certa validade —ela era bem melhor do que esses picaretas que preveem nas redes que um vírus terrível matará muita gente no Carnaval, mas não viram o coronavírus chegar nem de perto.

No mundo em que vivemos, quem não aparecer, se tornar visível, não terá futuro. A consequência necessária de quando você precisa se tornar visível para se tornar relevante no mercado é tornar-se um idiota para consumo.

A questão hoje é que tornar-se famoso independe de gerar algum conteúdo de fato, basta repetir bobagens e mímicas que agradam à horda.

O cúmulo da obsessão pelo sucesso no século 21 é o conceito de "marca pessoal". A infeliz disciplina do marketing aqui atinge um dos seus cumes: sim, todos nós podemos desenvolver um branding pessoal. Nem os coaches tinham pensado em algo tão criativo.

A ideia de que você pode virar uma Apple de si mesmo é um projeto em que você gastará dinheiro para acabar ficando com cara de idiota sorridente.

O branding é uma escravidão —aliás, as redes sociais o são em escala infinita. As empresas fazem ginásticas para agradar à horda de bobos que tomaram conta do mundo. Com a moda do anticolonialismo que grassa hoje em dia, vejo, logo, algum palestrante de diversidade propor ao seu cliente que funde o Instituto Cultural Hamas.

Uma coisa que se aprende com a sábia pitonisa de Delfos é que, para acertar o que acontecerá num futuro próximo, basta apostar no pior. Pegue esse pior, dê um nome em inglês, crie uma pós síncrona sobre esse pior, contrate pessoas descoladas e progressistas para vendê-lo em suas redes, enfim, e nunca esqueça, odeie as pessoas certas.

Imagino nossos ancestrais que morreram para que existíssemos pensando que talvez tenham cometido um grave erro. Somos uma vergonha histórica. Uma horda de bobos. Mesmo o Satanás está a morrer de vergonha.

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