Luiz Weber

Secretário de Redação da Sucursal de Brasília, especialista em direito constitucional e mestre em ciência política.

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A Constituição Maginot

Cogitar instalação de base americana em território brasileiro é implodir cláusulas do texto constitucional

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Uma constituição pode ser apenas uma linha Maginot contra seus adversários internos e externos. Não importa sua extensão, o número de cláusulas, de “barricadas” erguidas para preservar a soberania do país, se não a respeitamos. Do ponto de vista material, a constituição é mero papel; sua força vem da adesão nacional aos seus comandos, do consenso político que ela expressa. 

O chanceler Ernesto Araújo, após almoço com o presidente Jair Bolsonaro e outros ministros
O chanceler Ernesto Araújo, após almoço com o presidente Jair Bolsonaro e outros ministros - Pedro Ladeira/ Folhapress

Ao mencionar interesse na instalação de uma base militar americana em território brasileiro, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, atuou como um soldado francês diante do blitzkrieg alemão: capitulou. Entre a Primeira e a Segunda Guerra, a França construiu uma linha de fortificações para bloquear ataques nazistas. Chamada de Maginot, o sistema defensivo mostrou-se ineficiente. 

É preciso levar a Constituição a sério para que ela represente uma trincheira contra ataques à soberania nacional. Em três momentos, o texto faz restrições à presença de forças militares estrangeiras no país. Nos artigos 21, 49 e 84 está claro que essa hipótese se dará (se acontecer) em caráter temporário. 

Aí que entra o demônio da hermenêutica. Temporário é quanto tempo? Só à luz da interpretação que algo se torna um fato, algo determinado. E interpretar é um jogo de poder. A experiência de Soto Cano, em Honduras, é um exemplo. O lugar abriga uma base militar americana “temporária” há três décadas. Isso se dá a despeito do mencionado em dois artigos (26 e 46) da constituição local, que registra que tropas estrangeiras apenas poderão, mediante autorização do congresso, “transitar” pelo território hondurenho.

Principal intérprete da constituição hondurenha, os Estados Unidos atribuem à sua presença militar no país um caráter “semipermanente” para lá permanecerem. E vão ficando, apesar do dito e escrito na carta daquele país centro-americano. 

Ao colocar na mesa diplomática a possibilidade de uma base dos EUA em território brasileiro, o chanceler pode até ter acreditado que reforçaria posições no seu War particular (o War II, onde Cuba também é um território), mas abriu o flanco para uma discussão desnecessária (e arriscada do ponto de vista geopolítico, como mostrou reportagem desta Folha em 8 de janeiro: “Bolsonaro recua e desiste de base americana no Brasil”). 

Uma constituição, o conteúdo de seus artigos, é uma obra em permanente elaboração, no âmbito de um processo público, segundo o constitucionalista alemão Peter Häberle. Personagem público, em cargo relevante, o embaixador Araújo é, portanto, ele também um intérprete constitucional. Preocupado com a questão da soberania (até criou uma inédita Secretaria de Assuntos de Soberania Nacional no Itamaraty) não deveria sequer cogitar a possibilidade de tropas americanas no Brasil. 

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