Uma escritora é convidada a compartilhar sua visão sobre o Dia Internacional da Mulher. Ao evocar tudo o que remete ao oito de março, é surpreendida por uma profusão de clichês, que a perseguem como um enxame de abelhas —talvez atraídas pelo excesso de flores associadas à data.
Data esta de origem operária, legado da luta de trabalhadoras na Revolução Industrial, e ironicamente absorvida pela publicidade nos dias de hoje.
Qualquer pesquisa superficial sobre o 8M levará a greves, gatilhos, gafes e generalizações. O adjetivo "guerreira", um estorvo fantasiado de elogio, é oferecido como prêmio de consolação à mulher que não teve escolha a não ser provar o seu valor a uma sociedade que a desvaloriza.
O pior inimigo de uma mulher é o clichê. Um antagonista subestimado em comparação a outras formas de opressão mais explícitas e brutais. No entanto, reduzir a mulher a um punhado de clichês é o caminho mais rápido e prático para desumanizá-la. É nesse jogo sutil e constante que se constrói um lugar-comum sobre o gênero feminino —um lugar que nada mais é do que um cativeiro.
O que nossa sociedade considera um ideal de feminilidade não foi idealizado por mulheres. O clichê da mulher cuja principal função é ser mãe e esposa, que limitou as mulheres durante séculos à vida doméstica, ainda está presente em supostas homenagens, justo na data que simboliza a luta pela igualdade de gêneros.
Voltemos à escritora que fez uma busca na internet por "dia da mulher" e encontra a seguinte pérola: "Consegue ser mãe, esposa, filha, amiga, madrinha e sobrinha". É sintomático que a mulher seja sempre atrelada a cuidar e ser cuidada. Ela jamais é enaltecida por priorizar a si mesma —afinal, isso seria uma afronta a todas as expectativas que a cercam.
Em outro trecho: "Parabéns a todas as mulheres que conquistaram seu espaço sem perder a essência feminina". O que seria essa essência feminina? A delicadeza, a beleza, a ternura? Quem se beneficia de tais qualidades? Só interessa ao patriarcado esta mulher ideal que, no mês de março, é laureada com descontos em procedimentos estéticos para que siga se submetendo à aprovação masculina.
Já a história de uma escritora que não se sente contemplada por sequer uma linha de tantas poesias pueris, é a minha história, mas também a nossa. É a História das mulheres, reféns de elogios passivo-agressivos ao longo de séculos. Mulheres que já não se contentam com o papel de musa, dispostas a descer deste pedestal-cadafalso para simplesmente serem o que são. Fazer essa desfeita, para uma mulher, é uma honra.
Não precisamos de mais musas inspiradoras, e sim de mulheres que escrevem sua própria história.
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