Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Descrição de chapéu Energia Limpa

O problema do mercado foi ter acreditado no Brasil

Perdas nos fundos multimercados indicam que tese de complô de agentes privados não procede

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Marcos Lisboa

A piora sensível dos mercados de ativos (câmbio, juros e Bolsa), neste ano, gerou ondas de críticas: reclamações de complô orquestrado por agentes privados em meio a críticas ao Banco Central, que teria sido capturado pelo mercado financeiro.

Se as teses fossem verdadeiras, os fundos que investem em vários mercados (multimercados) no país estariam ganhando bastante dinheiro apostando contra o Brasil: desvalorização do real, aumento das taxas de juros, queda da Bolsa de Valores.

No entanto, não é isso que os dados indicam; pelo contrário.

A imagem mostra uma pessoa analisando gráficos financeiros em um documento sobre uma mesa de madeira. Há várias pilhas de moedas ao fundo, organizadas em ordem crescente da esquerda para a direita, simbolizando crescimento financeiro. A pessoa está segurando uma caneta e fazendo anotações no gráfico, que apresenta barras azuis de diferentes alturas.
Fundos de investimento multimercado chegaram a perder 10% no ano - Andrey Popov/Adobe Stock

Fundos multimercados tiveram perdas substanciais neste ano, em um período de taxas de juros altas. Alguns chegaram a perder cerca de 10% do seu investimento, enquanto a taxa de juros para aplicações financeiras quase sem risco, CDI, renderam mais de 5%. Imenso desastre.

Houve maior adversidade no cenário externo, com uma inflação e pressão nas taxas de juros acima do esperado nos EUA. O dólar se valorizou globalmente. Mas a perda do real, e o aumento das taxas de juros de mercado no Brasil, foi bem maior.

No primeiro semestre de 2024, a Bolsa brasileira se desvalorizou 21,8% em dólar, enquanto os índices de Bolsas de países emergentes se valorizaram 6,6% até o começo da semana. Investidores retiraram quase US$ 8 bilhões do Brasil, preferindo transferir seus recursos para outros países.

O Banco Central do Brasil reduziu a taxa básica de juros de 11,75% no começo do ano para 10,5% no fim do semestre. O inverso, porém, ocorreu com as taxas de juros de mercado, que aumentaram significativamente, refletindo a maior incerteza sobre a nossa economia.

No fim de 2023, quem adquiriu títulos de longo prazo da dívida emitidos pelo Tesouro Nacional contratou um retorno de 5,48% ao ano acima da inflação. Acreditavam que os juros iriam cair, mas agora assistem a taxas de 6,5%. Isso significa que os papéis que compraram se desvalorizam em 5,95%.

Essa perda elevada é parte do jogo de mercado. Só não se pode dizer que o "mercado" desejava aumento de juros. Ao contrário, boa parte apostava que os juros iam cair e teve um grande prejuízo com essa aposta.

Apoiadores do governo ficam indignados com analistas econômicos que apontam problemas na agenda econômica, cujo preço será pago pelo país nos próximos anos.

Mas se a culpa é dos mercados, melhor verificar o que ocorreu com os fundos multimercado, onde investidores revelam suas apostas; onde aplicam seus recursos.

Os analistas dão seus palpites, mal ou bem fundamentados. Os investidores —o mercado— ganham ou perdem dependendo do resultado das suas apostas. Erros de analistas resultam em constrangimento; erros de investidores, contudo, significam perdas que afetam o seu bolso.

Muitos fundos apostaram no Brasil, acreditando que as taxas de juros iriam cair, que o real se valorizaria e que o preço das ações das empresas brasileiras iria aumentar. Jogaram suas fichas nisso e perderam muito dinheiro.

O gráfico abaixo compara a taxa de retorno médio dos fundos multimercado este ano, calculada pela Anbima, com o CDI, taxa de juros de curto prazo:

A tabela abaixo apresenta a taxa de remuneração dos fundos por quartil de rentabilidade em comparação com o CDI, em 2024:

O CDI é a taxa de rentabilidade no período com baixo risco. O primeiro quartil equivale aos 25% dos fundos com maior rentabilidade. O quarto quartil envolve os que tiveram maiores prejuízos.

Todos tiveram remuneração menor do que o CDI. Alguns perderam pouco; outros perderam bem mais do que se tivesse deixado o dinheiro parado na conta corrente, sem qualquer remuneração. O mundo é bem mais complicado do que o lugar comum: "os mercados ganham dinheiro com juros altos".

Até agora, deu errado a aposta de fundos multimercado de que o Brasil melhoraria. As perspectivas são preocupantes, e as declarações do governo têm contribuído para adicionar sal, aumentando a volatilidade dos preços dos ativos.

As condições atuais da economia estão razoáveis. O futuro é que preocupa, dadas as inconsistências da agenda econômica. Isso ocorre, por exemplo, no arcabouço fiscal, que foi analisado no texto O Algoritmo do Gasto, publicado em abril do ano passado.

Existem muitos problemas contratados, e uma conta a ser paga pelo país. Os discursos oficiais aumentam a incerteza, por vezes revelando despreparo. Investimento requer tempo, e como os indícios são de dificuldades por vir, os prejuízos para os fundos multimercado já chegaram.

O restante da sociedade vai sofrer adiante. A taxa de câmbio impacta a inflação. Os elevados juros de longo prazo que o Tesouro tem que pagar e a maior volatilidade dos preços dos ativos, em razão da maior incerteza, desestimulam o investimento.

A semana terminou com um freio de arrumação de curto prazo, com o anúncio do contingenciamento das despesas públicas.

Ainda há tempo para corrigir. Melhor do que inventar falsos conspiradores.

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