Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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O fiscal, na real

É falsa a sensação de que os limites fiscais estão mais frouxos. A aritmética vai se impor

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Diversos fatores têm colocado em segundo plano a importância do equilíbrio fiscal no debate político. O alto valor do Auxílio Emergencial temporário, durante a pandemia, transformou-se em padrão para o benefício mínimo permanente do Auxílio Brasil. A pobreza persistente pós-pandemia, bem como os choques nos preços de combustíveis e alimentos, ampliam a demanda não apenas por mais transferências de rendas, mas também por subsídios e reduções de impostos.

Por outro lado, há a sensação de que há mais dinheiro disponível para gastar, pois a arrecadação tributária está batendo recordes todos os meses e a dívida pública, em proporção do PIB, está caindo. Essa percepção de afrouxamento da restrição fiscal, em plena campanha eleitoral, tem levado a um leilão de promessas de aumentos de gastos e redução de impostos.

Ocorre que a melhora recente nos indicadores fiscais é episódica. Em 2022, a inflação e os altos preços das commodities foram fundamentais para que, ao mesmo tempo, a receita aumentasse e a despesa e a dívida fossem corroídas.

mãos usam calculadora
Aritmética indica que crescimento da dívida deve se acelerar em 2023. - Gabriel Cabral/Folhapress

Porém, a perspectiva para 2023 é de inflação e commodities em queda, e de baixo crescimento do PIB, revertendo os ganhos fiscais de 2022.

A aritmética vai se impor. O crescimento da dívida, medida em proporção do PIB, se dá pela seguinte regra:

Δb = b0*(r - g) - st

Onde:

Δb = crescimento da dívida/PIB entre o momento inicial e final

b0 = dívida pública/PIB no momento inicial

r = taxa de juros incidente sobre a dívida pública

g = taxa de crescimento do PIB

s = superávit primário/PIB

Aplicando a essa fórmula os valores da economia brasileira previstos para 2023 obtemos um crescimento da dívida em 4,4 pontos percentuais do PIB.

Senão, vejamos: a dívida bruta no início de 2023 estará em torno de 77,5% do PIB, os juros reais sobre a dívida em 5% ao ano e o relatório Focus prevê um crescimento de 0,6% do PIB para 2023. O resultado primário em 2023 deve ser negativo em, pelo menos, 1% do PIB.

A dívida atingiria, então, 81,9% do PIB ao final do ano que vem (77,5 + 4,4). É um crescimento muito forte.

Mantido esse ritmo nos anos seguintes, a taxa de juros (r) necessária para cobrir o risco de uma dívida crescente aumentará. Isso elevará o custo dos investimentos, derrubando o crescimento da economia (g). Ou seja, na fórmula acima, o crescimento da dívida (∆b) se acelerará.

É o caminho certo para a estagnação econômica e pobreza.

Suponhamos que o novo governo esteja convencido da importância de controlar a dívida, e se disponha a reduzi-la dos 81,9% do PIB ao final de 2023 para 80% do PIB ao final do mandato, em 2026. Uma meta nada ambiciosa, tendo em vista que a média da dívida bruta dos países emergentes é de pouco mais de 65% do PIB.

Sejamos otimistas e imaginemos que o país consiga crescer 2% ao ano no triênio 2024-26 e que a taxa de juros sobre a dívida caia para 4% ao ano. Isso significa, pela fórmula acima, que precisaremos de um superávit primário de 2,26% do PIB em cada um dos três anos.

Dado que o nosso ponto de partida é um déficit primário de 1% do PIB em 2023, estamos falando de um ajuste fiscal da ordem de 3,26 pontos percentuais do PIB, aproximadamente R$ 330 bilhões.

Realidade totalmente diferente do "show do bilhão" que se assiste no horário eleitoral gratuito.

Não será possível fazer esse ajuste simplesmente aumentando impostos. Nossa carga tributária já é muito alta e de baixa qualidade. Aumentá-la diminuirá o crescimento do PIB (g), piorando a dinâmica da dívida. Há algum espaço para ganhar receita revogando ineficientes benefícios tributários, mas isso tem se mostrado difícil.

Outro caminho é abater dívida mediante privatizações e desmobilizações de ativos. Se bem feitos, podem não só reduzir "b0", como também aumentar "g", ao melhorar a eficiência das empresas privatizadas. Mas esse processo é lento e o patrimônio é finito.

Por isso, é inevitável controlar o crescimento da despesa.

Para fazê-lo de forma consistente e perene é preciso desmontar privilégios, focalizar as políticas públicas nos objetivos prioritários, reduzir a rigidez do gasto e elevar a eficiência operacional do setor público.

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